Moramos em Pedralva mais ou menos
até 1960 na casa onde mais tarde morou o sobrinho de meu pai, o Zé Hilton e
família. Ali tivemos nossa primeira visão de mundo, de frente para o Grupo
Escolar Coronel Gaspar, perto de amigos e parentes. Depois nos mudamos para a
casa que mais tarde foi do Juarez, lá pertinho da Vovó Mulata, onde nós ficamos
por pouco mais de três anos, vindo depois para Itajubá.
Éramos
tão crianças que nem ficamos sabendo que o Zé Hilton havia construído uma
piscina no quintal onde anteriormente brincávamos com os cães perdigueiros do
papai. Aí a mamãe, boa costureira que sempre foi, fez uns shorts grandes para duas
pequenas que éramos, eu e minha irmã. E um belo dia nos enfiou naqueles shorts
e nos mandou para a nossa antiga casa. Fomos sem saber de nada. Lá, o Zé Hilton
e a Mainha já nos esperavam e nos receberam na maior gentileza.Passearam
conosco pela “nossa” casa e nos levaram ao quintal onde, surpresas, nos
deparamos com uma piscina. Na verdade eu nunca tinha visto nem uma e fiquei
encantada. Logo eles trouxeram umas boias onde nos colocaram para flutuar
naquela imensidão de água. A piscina era bem pequena, só que para as crianças o
mundo é sempre grande.
Nós,
entre nervosas e alegres, curtimos pra valer. Foi a perdição. Mal sabiam o Zé
Hilton e Mainha que daí por diante seu quintal e sua piscina seriam invadidos
quase que diariamente por nós e outros primos que fizemos de sua piscina nosso
parque de diversões. Simplesmente não saíamos de lá para tristeza da mamãe que
ficava constrangida diante dos bondosos primos pela nossa amolação de criança.
O Zé Hilton e Mainha tiveram a maior paciência e foram de grande generosidade
conosco e com todos, sempre abrindo o portão onde batíamos um tanto sem graça, quase
todas as tardes durante muito tempo. Hoje fico pasma ao me lembrar de como
foram tão generosos e compreensivos, pois evidente que amolávamos, mas eles
nunca demonstraram qualquer contrariedade. Diante disso, costumávamos contestar
a mamãe com o argumento de que eles até gostavam quando íamos lá! Imaginem!
Nos
finais de semana a piscina era um verdadeiro “point” onde os jovens, mais
velhos que nós crianças, se encontravam. Lembro-me dos maiôs antigos, dos risos,
das tardes de céu azul, da água que espirrava nos olhos, do sol que queimava
gostoso sem nunca fazer mal e do tempo que não passava, ou passava lento demais
nos permitindo uma felicidade incrivelmente duradoura. Gosto do Saramago que
diz que “naquelas épocas remotas, para as infâncias que fomos, o tempo
aparecia-nos como feito de uma espécie particular de horas, todas lentas,
arrastadas, intermináveis. Tiveram de passar alguns anos para que começássemos
a compreender, já sem remédio, que cada uma tinha apenas sessenta minutos ...”
A
piscina do Zé Hilton foi a pérola de minha infância. Jamais poderei esquecer os
momentos de grande alegria que passei lá. Aprendi a nadar ali naquele pedacinho
de água e também meus irmãos. Meu pai, vendo que não abríamos mão de ir à
piscina, concordou que fizéssemos uma em nosso próprio quintal, para alívio de
minha mãe. Demos início de imediato ao projeto, nós e nossos primos, cavando
sofregamente um buraco. Mas neste tempo, chegou a notícia de que teríamos que
mudar de cidade pela transferência de posto de meu pai. E ficamos a ver navios,
ou melhor, piscinas e bem de longe. Asseguro que de todas do mundo, nenhuma
outra teve água mais gostosa do que a de minha infância.
Nunca
mais fui àquela piscina, é claro. Sei que hoje já nem existe, mas na minha
vívida memória ela está intacta. Há pouco tive a oportunidade de ver fotos
cedidas gentilmente pela Heloise, filha do Zé Hilton. Marejei os olhos de
lágrimas e atravessei o tempo, me enrosquei entre as pessoas no preto e branco
daquelas fotos e me senti inundada de alegria e gratidão. Fica minha homenagem
e meu agradecimento ao Zé Hilton por ter contribuído para minha felicidade de
pequena. No fundo, no fundo, não passamos de crianças que apenas cresceram.
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