Muitos de vocês já devem ter
assistido a um documentário chamado “Alive inside” que significa ao pé da letra
“vivo por dentro”. Esta expressão também poderia significar “estar feliz ou
emocionalmente bem”. Dan Cohen, um voluntário em lares para idosos nos Estados
Unidos fez uma experiência que resultou em surpreendentes descobertas,
propiciando aos idosos sentirem emoções esquecidas, impossíveis de serem
descritas, apenas vivenciadas. Esses idosos, alguns já dementes e outros não,
também foram capazes de resgatar lembranças que já nem supunham estarem ainda vivas
em seu interior, enfim, era como por mágica, voltarem num tempo feliz e poderem
ser felizes novamente.
O documentário inicia com Cohen
entrevistando uma senhora de 90 anos. Ela não estava demente, aparentava até um
ar tranquilo, porém aquele indesejável e estranho silêncio já se instalara em
sua vida como na vida de muitos que ficam idosos e perdem a alegria vivificante
tão presente na juventude. Ela respondeu à primeira pergunta sobre idade, mas
quando questionada sobre sua vida de jovem, disse não se lembrar de nada. Então
Cohen perguntou se ela estaria disposta a fazer uma experiência, e em seguida
colocou nela os fones de ouvido e ligou um iPod com músicas anteriormente
escolhidas baseadas em fatos que ele pôde recolher sobre a vida da velha
senhora. Ao ouvir a música, imediatamente ela abriu um franco sorriso e disse:
“é de Louis Armstrong”, e foi acrescentando o nome da música, mais e mais
lembranças de seu tempo de jovem, da escola, de seu trabalho, do tempo da
guerra, dia e ano do nascimento de seu filho e outras lembranças. Foi como se a
música fosse abrindo uma porta, depois outra e muitas outras mais. E ao final
ela exclamou surpresa: “eu não sabia que ainda podia falar tanto e me lembrar
tanto de tanta coisa”.
A
experiência se repetiu com vários outros idosos. Henry era um paciente idoso e
demente. Não interagia com ninguém, com nada. Nada fazia com que ele saísse de
seu mutismo, nem mesmo abrisse os olhos. A enfermeira colocou os fones e à
medida que ouvia a música, Henry foi modificando seu comportamento. Aos poucos
foi abrindo e arregalando os olhos, foi se mexendo na cadeira de rodas como se
estivesse dançando, e perguntou à enfermeira: “eu devo cantar também?” ao que
ela respondeu: “se você quiser”. E ele cantou, brandindo os braços como se
regesse a música! Sua filha contou que ele estava neste lar há dez anos, sempre
quieto e de olhos fechados. E isto era muito triste porque ele havia sido um
homem alegre, que adorava música, adorava cantar e dançar. Dan Cohen perguntou
a ele: “Henry, você gosta de música?”, e ele: “Eu sou louco por música!”.
“Henry, qual a sua música preferida?” Henry não respondeu, mas com um novo
brilho nos olhos, começou a cantar a música de que mais gostava com voz forte,
sem titubear na letra. Foi fantástico! Foi como se alguém acordasse o Henry que
dormia profundamente há tantos anos. A música o trouxe de volta à vida.
A
música está sempre ligada à vida de alguém. Normalmente sentimos emoções
alegres ou tristes quando ouvimos canções de que gostamos, e ao longo de nossa
vida essas canções vão se imprimindo em nosso inconsciente e sempre
relacionadas a acontecimentos, relacionamentos e fatos. A música nos faz vivos!
Sempre que eu ouço a “Valsa do
Imperador”, ou mesmo “Billie Jean” do Michael Jackson, eu fecho os olhos e me sinto
capaz de sonhar indefinidamente.
O
filho do escritor russo Tostoi deu um depoimento intrigante sobre o pai. Disse
ele: “Eu não encontrei em minha vida ninguém que sentisse a música tão
intensamente como meu pai. Ouvindo música de seu agrado, perturbava-se, tinha
um aperto na garganta, soltava soluços e vertia lágrimas”. Certa vez o escritor
exclamou: “Que me veut cette musique?” (O que quer de mim esta música?) E
Tolstoi ainda diz: “A música é a taquigrafia dos sentimentos!” Perfeito, não?
Voltando
ao documentário sobre Dan Cohen, um neurologista atestou que a música tem o
poder de ativar mais partes do cérebro do que qualquer outro estímulo. É a
última ligação da pessoa com sua própria identidade. Para as pessoas com
demência pode ser a porta dos fundos da mente que se abre, deixando voltar a
vida que um dia já pulsou dentro daquela pessoa. A música pode ser o resgate da
conexão com a vida. Cohen pergunta: “e se todas as pessoas dementes pudessem
acordar como o Henry? E se todas as pessoas pudessem acordar para o que elas
são?” Bem, obviamente, quando a doença está em estado avançado, talvez não se
possa recuperar a conexão, mas vale a pena tentar!
Contudo, a implementação de tal experiência
nos lares para idosos não é tão simples assim, pois esbarra numa grande
dificuldade: o governo não concorda com a aquisição de cinco milhões de iPods
para os dementes americanos, alegando que já gasta demasiadamente com os
medicamentos que pouco fazem pelos idosos dementes, mas certamente enriquecem mais
ainda os bilionários laboratórios de medicamentos.
E
vamos que vamos! Música, maestro!
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