domingo, 7 de fevereiro de 2016

As alegrias de Dona Lalá






Dona Lalá era mulher fina, educada com todos os requintes da etiqueta. Mesmo tendo que se mudar para uma cidadezinha onde todo mundo era simples, não dispensou os detalhes que denunciavam sua incontestável finesse. Por exemplo, para todas as refeições em sua casa, mesmo as diárias e rotineiras com o marido e as filhas, a mesa era guarnecida com louça inglesa, diversos talheres e taças, guardanapos de tecido, tudo combinando. Ela fez questão de ministrar aulas de etiqueta e arte da mesa para a Tonha, moça simples, criada entre pratos e canecas esmaltados. Tonha vivia vestida de empregada inglesa, com touca na cabeça e achava tudo muito bonito. Aprendeu tudinho. Quando Seu Jorge chegava do serviço, Dona Lalá ia receber o marido na porta de casa com um discreto e rápido beijinho na boca. Pegava seu paletó e chapéu (na época ainda se usava chapéu) e enquanto ele dava uma olhada no jornal, ela trazia um cálice de xerez e ficava ao seu lado, lendo a página feminina. Daí a pouco, a Tonha batia o sininho para avisar que o almoço estava pronto e depois do almoço servia um cafezinho em bandeja de prata. Nos domingos à tarde, ela e o marido ouviam Verdi e Puccini. Assim era a fina rotina na casa de Dona Lalá.
Ela teve quatro filhas que fez questão de educar no mesmo requinte. As moças tinham aulas de piano e bordado e só não tinham aulas de balé porque a cidade não dispunha do curso. Logo que entraram em idade de namorar e casar, Dona Lalá se apressou a dar aulas de prendas do lar para as meninas. Em pouco tempo já sabiam como fazer um verdadeiro chá inglês, rosquinhas e bolos de frutas. O enxoval, ah, este era cuidadosamente providenciado, com tantos jogos de cama de algodão puríssimo, tantas colchas, edredons, etc, etc... tudo como mandava o manual de Economia Doméstica do Colégio de freiras.
Mas faltava ensinar sobre a intimidade, aquela da alcova, como se comportar na primeira noite de casados. Então, com muito jeito, Dona Lalá ia escolhendo as palavras aqui e ali para descrever o orgasmo, coisa que as meninas supostamente deveriam conhecer e sentir apenas quando envolvidas sexualmente com o marido. É que nada poderia garantir que não fossem sentir o tal orgasmo antes do casamento, mas para todos os efeitos, as moças sentiriam o fino gozo depois de casadas e não antes. Sozinhas, então, nem pensar. Ou melhor, nem pensar em abordar tal questão, afinal moças finas eram mais guardadas de assuntos e sensações mundanas. Dona Lalá, não encontrando outra palavra que melhor definisse a gloriosa sensação, disse às filhas que elas sentiriam uma singular “alegria”, algo que não podia ser posto em palavras, de tão peculiar, tão original e tão gostoso, deixando escorregar esse último adjetivo num delicioso ato falho.
Dona Lalá, sem querer, ensinava de modo eficiente o que havia sentido, o que leva a crer que era muito feliz com seu Jorge, ou que sempre sentira muitas alegrias com o marido. Afinal, só pode ensinar uma verdadeira alegria quem soube aprender o que é verdadeiramente gostoso. E assim ela ensinou corretamente às meninas as delícias do sexo, conferindo ao orgasmo matizes singelos e líricos, conforme as propriedades coerentes de seu fino caráter.    
Certíssimo. Quem já não esboçou um sorriso matreiro depois de uma forte alegria?        


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