Dona Lalá era mulher fina,
educada com todos os requintes da etiqueta. Mesmo tendo que se mudar para uma
cidadezinha onde todo mundo era simples, não dispensou os detalhes que
denunciavam sua incontestável finesse. Por exemplo, para todas as refeições em
sua casa, mesmo as diárias e rotineiras com o marido e as filhas, a mesa era
guarnecida com louça inglesa, diversos talheres e taças, guardanapos de tecido,
tudo combinando. Ela fez questão de ministrar aulas de etiqueta e arte da mesa para
a Tonha, moça simples, criada entre pratos e canecas esmaltados. Tonha vivia
vestida de empregada inglesa, com touca na cabeça e achava tudo muito bonito.
Aprendeu tudinho. Quando Seu Jorge chegava do serviço, Dona Lalá ia receber o
marido na porta de casa com um discreto e rápido beijinho na boca. Pegava seu
paletó e chapéu (na época ainda se usava chapéu) e enquanto ele dava uma olhada
no jornal, ela trazia um cálice de xerez e ficava ao seu lado, lendo a página
feminina. Daí a pouco, a Tonha batia o sininho para avisar que o almoço estava
pronto e depois do almoço servia um cafezinho em bandeja de prata. Nos domingos
à tarde, ela e o marido ouviam Verdi e Puccini. Assim era a fina rotina na casa
de Dona Lalá.
Ela teve quatro filhas que fez
questão de educar no mesmo requinte. As moças tinham aulas de piano e bordado e
só não tinham aulas de balé porque a cidade não dispunha do curso. Logo que
entraram em idade de namorar e casar, Dona Lalá se apressou a dar aulas de prendas
do lar para as meninas. Em pouco tempo já sabiam como fazer um verdadeiro chá
inglês, rosquinhas e bolos de frutas. O enxoval, ah, este era cuidadosamente
providenciado, com tantos jogos de cama de algodão puríssimo, tantas colchas,
edredons, etc, etc... tudo como mandava o manual de Economia Doméstica do
Colégio de freiras.
Mas faltava ensinar sobre a
intimidade, aquela da alcova, como se comportar na primeira noite de casados.
Então, com muito jeito, Dona Lalá ia escolhendo as palavras aqui e ali para
descrever o orgasmo, coisa que as meninas supostamente deveriam conhecer e
sentir apenas quando envolvidas sexualmente com o marido. É que nada poderia
garantir que não fossem sentir o tal orgasmo antes do casamento, mas para todos
os efeitos, as moças sentiriam o fino gozo depois de casadas e não antes.
Sozinhas, então, nem pensar. Ou melhor, nem pensar em abordar tal questão,
afinal moças finas eram mais guardadas de assuntos e sensações mundanas. Dona
Lalá, não encontrando outra palavra que melhor definisse a gloriosa sensação,
disse às filhas que elas sentiriam uma singular “alegria”, algo que não podia
ser posto em palavras, de tão peculiar, tão original e tão gostoso, deixando
escorregar esse último adjetivo num delicioso ato falho.
Dona Lalá, sem querer,
ensinava de modo eficiente o que havia sentido, o que leva a crer que era muito
feliz com seu Jorge, ou que sempre sentira muitas alegrias com o marido.
Afinal, só pode ensinar uma verdadeira alegria quem soube aprender o que é
verdadeiramente gostoso. E assim ela ensinou corretamente às meninas as
delícias do sexo, conferindo ao orgasmo matizes singelos e líricos, conforme as
propriedades coerentes de seu fino caráter.
Certíssimo. Quem já não esboçou um sorriso
matreiro depois de uma forte alegria?
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