A menina acordou naquele dia,
excitadíssima. Não demorou nem um centésimo de segundo para se localizar, pois
já se lembrou com alegria de que estava na fantástica casa da avó. Tudo lá era
diferente da sua própria casa, e nos seus pequenos quase três anos já sabia
como era bom ter um lugar para ir e um lugar para voltar. Antes de dormir, já
instalada numa cama improvisada pela avó, a garota observava a bondosa senhora
que ia e vinha de lá para cá, sempre metódica e organizada, com fronhas, mantas
e objetos desconhecidos. Era um novo mundo para a pequena hóspede. Acostumada às
suas rotinas diárias, tudo ali parecia interessante, desde o colorido das
colchas até a maçaneta da porta do guarda-roupa, incrustado com flores e frutas
mínimas. A vida era uma aventura, disso a pequena também não tinha dúvidas.
A mãe ocupava o quartinho dos
fundos, tomando conta da irmã menor, ainda pouco mais que um bebê. Também era
bom ficar com elas, observar a irmã agarrar e chupar o peito da mãe com uma
força de gigante. Entretanto, a vinda da irmã menor significava que agora não
era sempre que tinha a mãe só para ela. Então, enquanto a bebê mamava ou
chorava, a menina esperava pacientemente com o livro de histórias na mão, para
que a mãe lesse para ela. Já a avó, essa era inteira para a pequena, e no
momento, aquele imenso quarto era tudo o que uma garota como ela precisava,
pois os tesouros iam se apresentando generosamente cada vez que a avozinha
abria uma gaveta e depois uma caixa e depois, um saquinho com terços e medalhas
coloridas. Realmente o mundo era incrível.
A
pequena era silenciosa, não perguntava, não questionava, apenas olhava. Era tímida,
um jeito seu mesmo. Seu silêncio contrastava com a tagarelice das primas e
primos que moravam logo adiante da casa da avó e que matraqueavam sobre coisas
que a menina ainda desconhecia, acostumada como estava com o mundo pequeno e
quieto da casa e cidade dos pais.
Era
carnaval. Tudo na rua parecia para a garota uma loucura geral. Pessoas
fantasiadas passavam cheias de alegria, jogando confetes coloridos e soprando
apitos freneticamente como se estivessem a chamar o mundo todo para entrar na
brincadeira. A menina gostava apenas de ver, pois entrar na folia era
simplesmente uma espécie de violência para seu jeito quieto de ser. Eis que
apareceu o tio puxando pela mão as três primas e veio buscar a pequena para ir
ao clube dançar no baile infantil. Tudo já estava combinado e acertado. A mãe
concordou e achou bom que a menina fosse com as primas. Mas a garota não quis e
se fechou num silêncio impossível. Todos insistiam, agradavam, até que o tio,
um tanto impaciente porque era seu jeito de ser, agarrou a mão da menina e
disse: “não tem querer, você vai e vai gostar muito, quer apostar?”. As primas
estavam com fantasias de bailarina e a pequena não tinha fantasia alguma.
Estava apenas com seu vestido de chapeuzinho vermelho que trazia toda a
história bordada no barrado da roupa. Mas não era sua fantasia, era seu
vestido. Ela já sabia de cor toda a história que sempre conferia encantada
rodeando o vestido.
A
menina foi arrastada sem piedade, sentindo-se dolorosamente contrariada e perdida
cada vez que se afastavam mais e mais da casa da avó. Tudo o que queria era a
paz conhecida daquele quarto imenso com pequenos tesouros. Chegaram ao baile. O
salão era impossível de descrever, nunca tinha vista nada igual. Era gigantesco
aos olhos da criança. O som da orquestra era altíssimo, toneladas de confetes
caíam como chuvas sobre as pessoas e serpentinas furavam o ar ameaçadoramente.
As crianças estavam extasiadas, pareciam extremamente alegres. Somente a
pequena olhava tudo com desconfiança e medo. O tio a empurrou para o centro do
salão para que dançasse junto com as primas. Ah não, isso já era demais, foi o
máximo que ela conseguiu suportar. Agora a pequena estava desolada e cheia de terror.
Sentia-se num mundo horrendo com palhaços que para ela eram monstros
assustadores. Ela fechou os olhos e cobriu o rosto com as mãos como se assim
pudesse apagar o que a apavorava. E num gesto até surpreendente para ela mesma,
se desvencilhou de tudo e de todos, procurou a saída e em poucos minutos
ganhava a praça. Estava ofegante, medrosa, porém livre.
Era
preciso voltar para a casa da avó, tal qual o chapeuzinho vermelho de seu
vestido. E ela foi caminhando, sem imaginar os perigos de uma cidade para uma
pequena como ela e sem que ninguém tivesse lhe ensinado o caminho. Em sua
perspicácia de canhotinha, com uma incrível capacidade de localização, percebeu
a torre da igreja e por ela foi se guiando, descia algumas ruas, olhava as
casas e as pessoas. Todos eram absolutamente estranhos e desconhecidos. As
pessoas, enlouquecidas pela festa, não estranhavam uma pequena garotinha
sozinha, afinal tudo é possível em dias de carnaval. E ela continuou seu
caminho, passou pelos arcos da ponte, viu o rio, quieto e manso lá embaixo. Seu
coração batia descompassado, tinha medo e a solidão era insuportável. Passou a
mão pelo rosto que estava quente e vermelho pelo sol. Gotículas de suor se formavam
na testa. Não estava certa de que conseguiria voltar, mas ela nem sabia disso,
era apenas um sentimento doloroso de estar só.
Finalmente
alcançava a rua da avó e a casa tão querida já se mostrava lá adiante. Ela
apertou o passo e logo chegou. Abriu o portãozinho e entrou na sala onde a avó
e a mãe conversavam. Estava salva. Para surpresa de todos, a pequena em fuga
conseguira um feito até então inacreditável para os adultos. O tio mandão
chegou logo em seguida, primeiramente apavorado, depois aliviado e depois ainda
irritado por ver a audácia da garota. A mãe a repreendeu, mas não deixou de
sentir um orgulho gostoso por ver que a filha era esperta e inteligente. A
pequena estava feliz por ter voltado, porém algo nela estava quebrado.
Aprendera que a vida era incerta e que na maioria das vezes ela teria que
salvar a si mesma.
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