terça-feira, 15 de março de 2016

A difícil arte de ser a gente mesmo




            Há alguns dias eu estava assistindo novamente ao filme “Brave” (Valente), aquela animação que faturou o Oscar de 2013 e que conta a história da menina Merida. A valente princesinha escocesa ousou desafiar um costume sagrado de muitas gerações, contrariando determinadamente sua mãe, a rainha. É claro que ao final do filme, depois de mil peripécias, angústias e aflições de mãe e filha, tudo acaba bem. Na vida real, nem sempre tudo dá tão certo assim, mas realmente não há outra maneira de ser feliz que não seja a de buscar o próprio caminho e de perseguir o desejo que arde e queima dentro do coração da gente, mesmo que seja preciso desgostar uns ou outros.  
            Para os de minha geração e os de antes ainda, tudo era mais difícil. Muitos de nós fomos criados para seguir cada orientação e conselho dos pais à risca e de olhos fechados. Nossa fidelidade era tanta que julgávamos qualquer pensamento nosso como inadequado. E assim também era com as professoras do colégio tradicional. E ai de nós se ensaiássemos ares de rebelião, o chinelo cantava. Quando minha mãe falava, era uma vez só. Não se usava ensinar a pensar. Levou tempo para que a gente pudesse perceber que éramos seres únicos, competentes para pensar com nossa própria cabeça.
            É natural, louvável e justo que os pais queiram o melhor para seus filhos. Entretanto, já não será tão louvável quando decidem por eles, tentam convencê-los por a mais b de que este curso será o mais indicado para suas tendências e vocações, que aplicar o dinheiro nisso ou naquilo é que é o bom, que devem namorar aquela tal moça porque ela é demais. Bom, e extrapolam quando querem ver realizados em seus filhos seus próprios sonhos, como ser bailarina, modelo, ou médico e por aí vai. Eu tive um primo bem mais velho que foi ordenado padre, mas felizmente abdicou de suas funções clericais desde que compreendeu que sua vocação sacerdotal era mais de sua mãe e de sua avó do que propriamente dele.
            Que os pais libertem sem medo seus filhos para que sigam seus próprios sonhos, e que nós, assim como a princesinha Merida, sejamos “brave” ou valentes não abrindo mão de escolher nosso próprio caminho ou nosso próprio destino, sei lá. Há que se considerar que a vida é muito curta. O tempo não espera, passa muito depressa e nós simplesmente não acreditamos que isso ou aquilo já faz 10, 20 ou 30 anos. E aí, o que foi que fizemos com aquele sonho que insiste em voltar e que nos acena como um velho conhecido? Muitas vezes não é fácil ser a gente mesmo, mas é possível despir-nos das inúmeras máscaras com que fomos habituados a usar, e aí podemos nos olhar olho no olho, sorrir para a gente mesmo no espelho e dizer: você pode!
Ainda somos nós mesmos, acredite, mesmo que com cabelos brancos ou rugas, com algumas ou muitas limitações físicas, não importa. Dentro da gente, não há idade, o espírito não funciona como o corpo, ele é grande, geralmente do tamanho do nosso desejo. Sim, muito grande! Do tamanho de nosso desejo!


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