Os
mais novos não se lembram, mas nós itajubenses tivemos um cinema na cidade que
fez parte importante de nossas vidas adolescentes, que povoou nosso imaginário
encantado com os filmes da época. Quem não se lembra dos adoráveis filmes da
Hayley Mills, Audrey Hepburn, Ben Hur, A Noviça Rebelde, os primeiros filmes de
OO7, com o bonitão do Sean Connery, os filmes western spaghetti com Giuliano Gemma, aquele do O Dólar Furado, O
Bebê de Rosemary e tantos outros mais? Pois é. Não víamos a hora de chegar
domingo para assistir às matinês das 4 ou mesmo às sessões da noite. Vale
lembrar que não existia celular naquela época, e, portanto nossa interação era a
mais humana possível, era aquela da cara a cara, e lá, já instaladas confortavelmente
nas poltronas rosas e azuis do Cine Presidente, aguardávamos ansiosas que o
filme começasse.
Qual não foi a surpresa do nosso
grupo de WhatsApp quando minha prima Musa Ferrer discorreu diligentemente sobre
o saudoso Cine Presidente, ressuscitando lembranças fantásticas que beiravam ao
lirismo, e, aliás, muito bem lembrado pela Laís Medeiros, lembranças tais que
fariam Proust morrer de inveja. Musa nos fez viajar no tempo, trazendo à tona
detalhes deliciosos que pareciam já enterrados definitivamente em um passado
pra lá de remoto. Ela nos fez lembrar das músicas de Ray Connif que compunham o
ambiente perfeito antes do momento mágico da cortina se abrir, aquela cortina
de chitão estampadinha, meio azul e meio roxa, aquela indefectível cortina
enorme estampada, a mesma de sempre até o último dia de vida do cinema.
Praticamente transcrevo a fala da Musa, deixando-nos deliciadas com o seu
relato.
E as poltronas rosas e azuis, os
chicletes embaixo das cadeiras? E a charmosa “bomboniere” pequeníssima lá no
cantinho ao pé da escada que conduzia ao salão? Era lá que nós comprávamos
Mentex, dadinhos, balas chitas em papéis amarelos e verdes, chocolates
croquetes, em forma de moedas, chocolápis, chicletes Ping pong com figurinhas,
e outras guloseimas da época! E o bebedouro próximo à “bomboniere”, lugares que
serviam de desculpas para ver quem nos interessava? E ainda tinha o folhetinho
que nos davam na entrada do cinema com propagandas e descrição dos próximos
filmes! Muitos garotos e garotas faziam aviõezinhos desses folhetinhos e os
lançavam no ar enquanto as luzes ainda permaneciam acesas.
Quase ninguém se lembra, mas as
freiras levavam as internas do colégio nas matinês de domingo, dependendo do
filme, é claro, por exemplo, com Brigitte Bardot, nem pensar, né? E as meninas
ainda iam de uniforme de gala do Colégio Sagrado Coração de Jesus, fazendo a alegria
dos moços que faziam um cortejo para vê-las passar no caminho! Anos dourados da
inocência!
Nos filmes de longa metragem havia o
Ato I e II, e aí faziam uma pausa para trocar os rolos dos filmes. As luzes
eram acesas e a bagunça se formava, com aviõezinhos que voavam por todo o lado,
e mais idas e idas à “bomboniere” para a alegria do dono, e também idas aos
toaletes sempre na desculpa de procurar pelos paqueras.
Infelizmente, há que se lembrar das
coisas tristes e ruins da década de 60 quando não se permitia a entrada de
negros no cinema. Verdade verdadeiríssima contada por uma amiga que se lembra
quando foi discriminada na entrada do Cine Presidente. Mas ela mesma complementou que o grupo de
amigos fazia o maior escarcéu na porta do cinema sempre no intuito de defender
a moça e os demais negros para que pudessem entrar para assistir ao filme.
Em apresentações de grandes filmes
como A Noviça Rebelde, Ben Hur e El Cid, vendia-se mais entradas do que
assentos e os desafortunados que já não encontravam mais lugares vagos,
sentavam-se mesmo no chão dos três corredores, achando tudo uma maravilha! Os
casais de namorados acomodavam-se sempre nas duas laterais de cadeiras com
fileiras menores que a fileira central. As músicas clássicas de Ray Connif,
Paul Mauriat e Glenn Miller eram os anfitriões sonoros para a entrada triunfal
de todos que desfilavam no tapete vermelho dos corredores. Torcíamos para que
um rapaz alto não se sentasse na cadeira à nossa frente para não atrapalhar
nossa visão, mas se isso acontecia, pedíamos para o rapaz abaixar-se em sua
cadeira, e com sorte, quase sempre éramos atendidas. O lanterninha era o
terror, sempre trazendo um retardatário e tirando nossa concentração no filme e
atrapalhando os casais de namorados ...
Para finalizar, Musa nos lembra que
o cheiro e o barulho do saco de pipocas incendiavam o recinto do cinema, mas
eram presenças imprescindíveis no enredo de cada filme!
Todo lugar, toda cidade tem uma
história e muito desta história pode ser contada pelo seu patrimônio físico e
cultural, pelas praças, jardins, coretos, teatros, igrejas, cinemas e pelas
pessoas que frequentavam esses lugares. Feliz o povo que valoriza e luta pela
preservação de seu patrimônio físico e cultural! Feliz o povo que valoriza sua
história! Infelizmente já perdemos em Itajubá grande parte dos casarões, dos
teatros e cinemas, então o que nos resta se não os fatos contados por quem
viveu estas histórias e testemunhou-as? Parabéns à Musa Ferrer Ferreira por nos
enriquecer com tão gratas lembranças permitindo-nos esta deliciosa viagem ao
passado e revivendo momentos inesquecíveis no Cine Presidente! Parabéns por
preservar a memória cultural de Itajubá e por representar tão dignamente a
cidade onde nasceu ao longo de toda sua jornada esportiva e, no momento, já
selecionada para representar o Brasil nas Olimpíadas e Paralimpíadas Rio 2016
como árbitra internacional de “Tênis de Mesa”!. Valeu Musa!
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