O moço, mais homem feito do que
propriamente rapaz, pegou a fila que já ia de bom tamanho. Pigarreou de nervoso
puro, não estava acostumado com tanta gente, já há tanto tempo recluso por
causa de uma depressão seríssima. Abaixou a cabeça para não enfrentar os
olhares, passou a mão pelos cabelos, apertou os lábios, passou a língua pelos
dentes, tentando encontrar um pouco de saliva para aliviar a secura da boca. O senhor pegou senha? Tem que pegar senha
ali atrás. A frase caiu como uma pedrada. Percebeu que era com ele. Fez
apenas um gesto com a cabeça como quem agradece e voltou lá para o último
lugar. Sentiu-se envergonhado como se todos olhassem para ele. Que nada! Já
estava esquecido no meio da multidão, do vai e vem de gente que entrava e saía
da delegacia.
Era a fila da identidade e como toda a
fila, as conversas eram o jeito para passar o tempo. Duas mulheres trocavam
receitas, um casal falava baixinho, trocando beijinhos sensuais atrás das
orelhas, e uma senhora gorda se abanava, reclamando do calor, da burocracia e
dos preços das coisas. O moço olhava para baixo, com saudade do silêncio de seu
quarto, mas resgatar a identidade era preciso. Mais adiante todos desviavam de
um cachorro de rua que dormia placidamente no meio do caminho da fila,
enrodilhado em volta de si mesmo, como se estivesse em cama de rei, alheio a
tudo e a todos. O moço sorriu timidamente para a vida, a figura do cachorro
deu-lhe coragem. Ameaçou levantar os olhos, assim, de leve. Ouviu-se uma
discussão lá dentro da sala. Todos levantaram os olhos, ávidos por uma
novidade. Saiu uma mulher pisando duro, esse
povo pensa que a gente tem o dia todo, preciso trabalhar, isso sim! Logo,
um dava a informação para outro, ela
esqueceu a certidão.
Agora faltava pouco tempo. Seis pessoas antes
dele. Observou um homem de terno, andando elegantemente com as mãos nos bolsos
e distribuindo cumprimentos e sorrisos para todos. O moço lembrou-se da
identidade que destruíra quando ficou doente. Nem pretendia fazer outra, nunca
mais, mas a vida surpreende, acordou um dia querendo viver de novo, com vontade
de trabalhar. Em quê? Qualquer coisa, tanto fazia. A funcionária chamou, senha 34, ele chegou inseguro, esperou a
indicação para se sentar. Muito bem, seu
João Antonio, agora é só esperar ficar pronto. O senhor pode procurar dentro de
2 dias. Tenha um bom dia!
Nunca foi tão fácil e tão difícil. O
moço levantou-se prontamente e saiu, apertando os olhos para ver melhor o
infinito do céu azul. Acabara de dar o primeiro passo para resgatar sua
identidade. O cachorro continuava dormindo o sono dos justos.
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