sábado, 2 de abril de 2016

Quando os filhos partem mais cedo




Quando estamos diante de uma tragédia por que passam pais que perdem filhos que deveriam ter uma vida toda pela frente, ficamos perplexos e inconformados. É absurdamente incompreensível. Não é o natural, foge à ordem harmônica da vida. O que pensar? O que dizer para essas pessoas? Nada. O silêncio parece ser o mais apropriado, pois jamais poderemos sentir a dor de quem foi atingido por esta tragédia, pelo menos, não na mesma medida. Jamais poderemos avaliar a intensidade e a enormidade de sua dor, só quem perdeu um filho é quem sabe. 
A morte, ainda que velha conhecida, é e sempre será uma estranha para nós, é aquela que cruelmente nos separa de quem amamos, fere nossa alma, rouba-nos a alegria e a frágil ilusão de que podemos proteger nossos queridos. A morte de um filho é absurda e absolutamente insana. Verdade óbvia, e novamente eu repito que só consegue compreender quem já passou por isso. Por mais que digam que “nossos filhos não são nossos filhos [...] que vêm através de nós, mas não de nós” como Gibran já nos alertava sem nos convencer, nossas emoções nos asseguram o contrário: nossos filhos serão eternamente nossos filhos. E se eles se forem antes de nós, ficaremos sem nada, pois é como se nos arrancassem o próprio coração sem dó nem piedade.  
  Como viver daí por diante? Felizmente, na harmonia contraditória da vida, fazemos das tripas o coração porque este já não o temos mais, e seguimos em frente. Afinal, haverá outra coisa a fazer? Quem poderá impedir que amanheça ou que caia a noite? Há coisas que nunca compreenderemos e que sempre estarão fora de nosso controle. Assim, numa necessidade imperiosa de sobrevivência, vamos procurando instintivamente aqui e ali motivos para continuar a caminhada. Às vezes podemos alimentar um passarinho que insiste em chegar até a janela da nossa cozinha e que vai bicando a casquinha de pão como se fosse uma tarefa da qual depende a salvação da humanidade, ou podemos talvez, quem sabe, fazer como uma senhora que conheci e que perdeu um filho - ensinar uma criança a ler. 
Há algum tempo passado eu me emocionei com uma cena maravilhosa e cheia de ternura. Surpreendi uma senhora já idosa que ensinava um menino a ler. O que há de especial nisso? Tudo. Por si só, a cena já é suficientemente grandiosa, pois ver duas pessoas de idades tão diferentes como uma velha senhora e um meninozinho, envolvidos numa interação tão amorosa e gratificante, traz paz para o coração da gente e esperança para o mundo individualista de hoje em dia. Mas não é só isso. O fato é que a senhora ensinava aquele menino a ler justamente no momento mais difícil de sua vida - perdera seu próprio filho caçula há menos de dois meses. Havia provado do cálice mais amargo. 
É verdade que cada pessoa é diferente e assim sendo, cada um reage a seu modo e a seu ritmo às adversidades, mas é sempre bom observar e refletir sobre o jeito de viver de outras pessoas. A senhora que pensava já ter vivido de tudo e passado por tantos sofrimentos, ainda teve que sofrer a dor das dores – a de perder um filho. Outra senhora minha amiga, ao ouvir minhas queixas sobre a falta que me faz sua filha que partiu abruptamente, tentou me consolar, dizendo: Deus é soberano. Esta força fez ecoar em mim outras palavras de Gibran: “Do sofrimento emergem as almas mais fortes. As personalidades mais marcantes estão repletas de cicatrizes”.


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