Quando
estamos diante de uma tragédia por que passam pais que perdem filhos que deveriam
ter uma vida toda pela frente, ficamos perplexos e inconformados. É
absurdamente incompreensível. Não é o natural, foge à ordem harmônica da vida.
O que pensar? O que dizer para essas pessoas? Nada. O silêncio parece ser o
mais apropriado, pois jamais poderemos sentir a dor de quem foi atingido por
esta tragédia, pelo menos, não na mesma medida. Jamais poderemos avaliar a
intensidade e a enormidade de sua dor, só quem perdeu um filho é quem
sabe.
A
morte, ainda que velha conhecida, é e sempre será uma estranha para nós, é
aquela que cruelmente nos separa de quem amamos, fere nossa alma, rouba-nos a alegria
e a frágil ilusão de que podemos proteger nossos queridos. A morte de um filho
é absurda e absolutamente insana. Verdade óbvia, e novamente eu repito que só
consegue compreender quem já passou por isso. Por mais que digam que “nossos
filhos não são nossos filhos [...] que vêm através de nós, mas não de nós” como
Gibran já nos alertava sem nos convencer, nossas emoções nos asseguram o
contrário: nossos filhos serão eternamente nossos filhos. E se eles se forem
antes de nós, ficaremos sem nada, pois é como se nos arrancassem o próprio
coração sem dó nem piedade.
Como viver daí por diante? Felizmente, na
harmonia contraditória da vida, fazemos das tripas o coração porque este já não
o temos mais, e seguimos em frente. Afinal, haverá outra coisa a fazer? Quem
poderá impedir que amanheça ou que caia a noite? Há coisas que nunca
compreenderemos e que sempre estarão fora de nosso controle. Assim, numa
necessidade imperiosa de sobrevivência, vamos procurando instintivamente aqui e
ali motivos para continuar a caminhada. Às vezes podemos alimentar um
passarinho que insiste em chegar até a janela da nossa cozinha e que vai
bicando a casquinha de pão como se fosse uma tarefa da qual depende a salvação
da humanidade, ou podemos talvez, quem sabe, fazer como uma senhora que conheci
e que perdeu um filho - ensinar uma criança a ler.
Há
algum tempo passado eu me emocionei com uma cena maravilhosa e cheia de
ternura. Surpreendi uma senhora já idosa que ensinava um menino a ler. O que há
de especial nisso? Tudo. Por si só, a cena já é suficientemente grandiosa, pois
ver duas pessoas de idades tão diferentes como uma velha senhora e um
meninozinho, envolvidos numa interação tão amorosa e gratificante, traz paz
para o coração da gente e esperança para o mundo individualista de hoje em dia.
Mas não é só isso. O fato é que a senhora ensinava aquele menino a ler
justamente no momento mais difícil de sua vida - perdera seu próprio filho caçula
há menos de dois meses. Havia provado do cálice mais amargo.
É
verdade que cada pessoa é diferente e assim sendo, cada um reage a seu modo e a
seu ritmo às adversidades, mas é sempre bom observar e refletir sobre o jeito
de viver de outras pessoas. A senhora que pensava já ter vivido de tudo e
passado por tantos sofrimentos, ainda teve que sofrer a dor das dores – a de
perder um filho. Outra senhora minha amiga, ao ouvir minhas queixas sobre a
falta que me faz sua filha que partiu abruptamente, tentou me consolar,
dizendo: Deus é soberano. Esta força fez ecoar em mim outras palavras de
Gibran: “Do sofrimento emergem as almas mais fortes. As personalidades mais
marcantes estão repletas de cicatrizes”.
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