terça-feira, 24 de maio de 2016

PAPAS DE SÃO RAIMUNDO (fato real)



            Há muitos anos, eu, Musa, minha prima, e Sandra, nossa amiga, fizemos uma viagem para Portugal. Viagem deliciosa, curtíamos tudo, passeando pelas outras cidades próximas à Lisboa. Há quem diga que não gosta de Portugal, pois eu amo! Ah aquelas cidadezinhas medievais, as casas de pedra, as igrejas antigas, a culinária portuguesa com o frango à cabidela, os pastéis de Belém, Coimbra do choupal, a Universidade de Coimbra! O sotaque irmão! Nossa! Eu passaria o dia todo me lembrando! Bom, um dos inúmeros passeios que fizemos foi de ônibus, saindo da rodoviária de Lisboa para o Porto, pois queríamos conhecer a famosa cidade. Tudo era motivo de riso e alegria. Lembro-me de que o ônibus não estava cheio, mas preferimos ficar mais para o fundo do carro. Lá estava uma jovem mãe com duas filhas, uma já adolescente e outra ainda bem menina, e também com elas estava uma senhora bem idosa, muito séria, muito triste, lembro-me até hoje do coque amarrado no alto da cabeça, de sua face pálida e dos olhos sem brilho. Ela parecia alheia à vida.
Como a Sandra não demorava nunca para entabular uma conversa, logo ela e a jovem senhora já falavam como velhas amigas. Acho que as portuguesas logo perceberam pelo sotaque que éramos brasileiras, e a conversa girou em torno dos dois países, das diferenças quanto aos costumes e ao modo de falar de Portugal e do Brasil. As meninas se animaram e deram seus palpites. Uma delas falou sobre as colegas de escola que já usavam “tacões” (sapatos de salto alto). Não entendemos e me lembro bem de que a Musa ria às largas e as meninas riam mais ainda de nossos termos. De repente as conversas se dividiram, eram a Sandra e a jovem senhora, e eu e a Musa com as meninas. Mesmo conversando um pouco, eu percebi que a senhora idosa nada falava, nunca. Mantinha os olhos abertos, mas tristes e seu silêncio era notório. E a Musa lá instigando as garotas, como é que se diz isso e aquilo, e morria de rir. Perguntou se a mãe era brava e a mais nova disse que sim, que quando aprontavam muito, a mãe lhes dava “palmaditas no rabo”. Isso foi o máximo para a Musa.
Conversa vai, conversa vem, a mãe das meninas desatou a falar do marido, que era um homem belíssimo, e a todo instante nos lembrava disso. E sai um assunto, sai outro, quando a conversa foi para receitas e pratos portugueses. Eu ouvia um pouco lá e um pouco cá. A jovem mãe passou a explicar como era feito um prato que eu entendi como “Papas de São Raimundo”. Depois que acabou de explicar como se fazia o prato, como eu estava dividida nas conversas, pedi a ela que repetisse a receita dos Papas de São Raimundo, o que ocasionou um estrondoso acesso de gargalhadas, pois o nome não era “Papas de São Raimundo”, mas “Papas de Sarrabulho”. E riam e riam. Para minha surpresa, a senhora idosa silenciosa e triste ria com gosto, colocava a mão na boca para disfarçar, mas não se aguentava e chegou mesmo a gargalhar. Eu pensei comigo que “papas” poderiam até significar algo tipo pornográfico, algo indecoroso para com São Raimundo, o que explicaria tantas risadas, mas não, simplesmente riam porque eu havia entendido de São Raimundo.

Bem, já estávamos entrando na cidade do Porto, eu achando tudo lindo, e as portuguesas continuavam rindo sem parar e de todas, a senhora era a que mais ria. Então, a mãe das meninas me disse baixinho com aquele sotaque português adorável: Olha, nunca vi isto acontecer, estou surpresa! Minha mãe não ri há muito tempo, sequer sorri, está numa depressão profunda, estamos indo encontrar meu marido para que ele a leve num médico bom daqui do Porto. E a senhora rindo, não podia olhar para mim, nem eu pra ela. O ônibus parou para que descessem e nos despedimos calorosamente. Lá fora, o marido belíssimo as esperava com um carro igualmente belíssimo, e como o português era lindo! Meu Deus! Um homem alto, másculo e musculoso, parecia um deus grego! Ele e a mulher beijaram-se num daqueles beijos cinematográficos, deixando a gente com olho comprido e água na boca, e pude também perceber a senhora que continuava rindo. Valeu! Quem diria que eu salvaria da depressão uma pobre senhora silenciosa e triste, apenas trocando Papas de Sarrabulho por Papas de São Raimundo! Ora, pois!        

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