Há
dias em que abro os olhos de manhã e já sei que estou triste sem exatamente
saber por que. Tento me lembrar dos sonhos para ver se é por causa de algum lugar
em que estive ao dormir ou alguém ou alguma coisa neste mundo onírico estranho
que nos permite outra vida totalmente fora de nosso controle. Não me lembro de
nada, aliás, raramente me lembro dos sonhos. Bem, ao sentar-me na cama, percebo
que não estou apenas triste, mas fui atingida por uma magna depressão 8.9 na
escala Richter com vendavais de ventos a 360 por hora.
Estou
deprimida, não há duvidas. Tento me recompor. Levanto os olhos para o alto e
peço ajuda aos Céus. Peço perdão a Deus pelos meus pecados e da humanidade
toda. Cada passo é uma tortura, parece que carrego toneladas de correntes tão pesadas
que dificultam a subida de um condenado à forca. Doem-me as articulações, os
joelhos, os olhos, a alma. Olho pela janela, céu azul de inverno, domingo, tudo
na santa paz de Deus. Nada de catastrófico concreto aconteceu. Sou eu, a mesma
de ontem e de tantos anos.
Há
dias em que durante a noite sou acordada com a chuva que fustiga violentamente minha
janela. Trovões furiosos explodem, relâmpagos com força para destroçar a terra iluminam
meu quarto como se fosse dia. O mundo parece desabar. Sinto-me em paz. Durmo
mais um pouquinho. Acordo feliz, com uma disposição hercúlea. Abro os braços
como se pudesse abraçar o mundo. Hoje sou capaz de inventar uma receita
estrambótica, escrever aquele livro de 380 páginas que ganhará o Nobel, sou
capaz de dançar balés clássicos e modernos mesmo já com a artrose que roubou as
cartilagens de meus joelhos. Sou capaz de salvar o planeta, de estabilizar a
camada de ozônio, tenho ideias brilhantes para o desastre financeiro e outras
façanhas que parecem impossíveis.
Sinto-me
abençoada, gratificada, feliz por nada como diz Martha Medeiros. Sou eu, a
mesma de ontem e de tantos anos. Olho pela janela, o céu carrancudo me atesta
que as coisas não estão tão bem assim, que não há razão para tanta euforia, mas
eu me sinto feliz e pronto.
Quem
é esta que sou? De que matéria fui feita?Evidentemente que as mudanças estão
dentro de mim. Como sempre somos o que somos dentro da pele e não fora. Não são
as tempestades nem as calmarias do planeta que me atingem, mas as interiores,
independentes, as outras de mim que vêm e vão como bem entendem.
Já
sei que quando acordo pesada, tudo será difícil, melhorando muito devagar,
provavelmente será aquele dia em que levarei alguns longos minutos olhando para
uma batata na mão esquerda e outra na mão direita, tentando me decidir qual
delas devo cozinhar. De outro modo, quando acordo leve feito uma pluma, olho o
céu, agradeço a chuva, o sol, o calor, o frio. Tudo me parece certo.
De
que subterrâneos emerge esta criatura estranha que sou? Aquela que ora vê o
mundo e sente que tudo está perdido, que contempla a vida a acha triste, e ora
sente a esperança brotar como água da pedra, que tudo está em ordem e harmonia neste
universo misterioso e belo que nos foi presenteado com tanto amor? Esta sou eu,
sem mais nem menos.
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