sábado, 11 de junho de 2016

O PRÍNCIPE




Quando o príncipe bateu à minha porta, eu não podia saber ainda que era ele. Depois de tantos desencontros, eu estava quase por desistir do homem que fosse um companheiro para caminhar ao meu lado. Ele chegou de ônibus, e eu, nervosa, já o espreitava do outro lado da rua. Eu colocava a mão em concha sobre os olhos porque o sol da manhã de inverno era forte. Tudo o que eu sabia dele era muito pouco e sua foto, bem, eu não me animei muito, isto por causa da bendita mania que as mulheres têm de esperar um príncipe belíssimo numa carruagem dourada. Bom, meu príncipe chegou de ônibus e não era belíssimo. Era calvo, magro na época, um homem real de realidade e não de realeza. O meu real e não o idealizado. E ele sorria de um jeito que não havia como não ser o amor de minha vida.
Tudo bem, vamos falar a verdade, eu esperava um príncipe, como a maioria das mulheres que um dia ousaram sonhar serem princesas. E daí? Como não? Logo eu que nunca deixei de acreditar em reinos encantados, de fadas que usavam varinhas com pó de estrelas e de príncipes reais? Não, eu não havia desistido coisíssima nenhuma do homem que faria sentir-me uma rainha, ou uma princesa, tanto fazia como tanto faz. E quando ele chegou sem carruagem e sem aspecto de príncipe, eu me lembrei a tempo de que às vezes os príncipes chegam disfarçados até em sapos, imaginem, ou simplesmente em homens comuns e vividos, com um passado de alegrias e dores como todos os mortais. Então convinha ser cautelosa, pois quase sempre as pessoas vivem disfarçadas, e é por baixo da pele que elas são de verdade e para isso é preciso aprender a enxergar o que existe do lado de dentro.
Naquele dia, justamente naquele dia eu sofria com uma dor de dente infernal, um canal que nenhum dentista conseguia localizar. Mas conversamos, eu e ele. Eu, “devastada de carência” como dizia Adélia Prado, e ele tímido, mas nem tanto. Ele me olhava agudo direto nos olhos e sorria sempre. Ousou me fazer duas perguntas que jamais esquecerei. Primeiro me perguntou qual era meu projeto de vida. Surpresa, percebi que nunca nenhum homem até então me fizera tal pergunta. E depois, pasmem, perguntou se eu gostava de sexo! Ousado ele, mas me fez sorrir. Até hoje me faz sorrir, me protege como se eu fosse uma menina quando tenho pesadelos, e também me faz rir quando estou triste. Nunca chegou até mim sem estar acompanhado de uma gentileza inigualável, daquelas que só príncipes encantados são credenciados para ter. Também faz comida cantando, me abraça apertado para dar bom dia, e acha graça quando corro de baratas. Ele me conhece, me consola, me conforta e me convence.

Contudo, só tive mesmo a certeza de que era de fato o amor de minha vida quando o vi na biblioteca lendo em pé alguma coisa que até hoje não sei. Eu não quis que ele me visse, sei lá, talvez para não quebrar o encanto daquela cena. Então, me escondi para observar melhor aquele homem que entrou em minha vida, ousado e gentil, alimentando minha devastada carência, minha alma e corpo sequiosos de amor. Só me lembro de que tive uma imensa vontade de chorar de ternura. Isso seria o amor? Seria o amor por quem eu esperava desde a juventude? Era ele. Finalmente o príncipe havia chegado.   

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