quinta-feira, 23 de junho de 2016

ÚLTIMO DIA DE UM GORILA




            Harambe acordou naquele dia com aquela sensação de desconforto. Era um mal estar interior, embora ele soubesse que não era exatamente uma sensação de fome. Já estava alimentado com frutas e legumes. Ficou um tempo olhando para o chão, para os pés. Depois levantou os olhos e suspirou profundamente. Aqueles seres esquisitos já estavam chegando. Ele sabia que daquele momento em diante ouviria gritos, e seria alvo de exclamações. Havia seres grandes e outros pequenos, ele pensava ou intuía, tal como eram sua mãe e ele juntos. Harambe não se lembrava exatamente da mãe, mas no seu íntimo sabia que houvera uma gorila que tinha cuidado dele. Ele havia conhecido o amor de ser amamentado e afagado. Ser cuidado e amado incondicionalmente é algo inesquecível para os animais, até para os humanos.   
            O dia de seu sequestro também havia ficado gravado no íntimo de sua alma, bem, não posso afirmar que seria alma, mas se não fosse alma, seria algo muito parecido. Ser arrancado da mãe é absurdamente doloroso, talvez mais doloroso ainda é assistir a sua morte. Ele se lembrava do medo, sabia que haveria de dormir e acordar com o medo, sabia que jamais se livraria dele. Também se lembrava e sentia a angústia da separação, pois não só os humanos sentem angústia, mas os animais também, e ainda são poucos os que os defendem. Sua mãe havia sido morta, assassinada e ele colocado numa gaiola de ferros. De repente foi sendo afastado para longe de sua casa, a grande floresta, deixava as árvores, o vento e o cheiro da mata para sempre. Para sempre. Durante a viagem, um humano vinha alimentá-lo com algo esquisito. Queria o leite da mãe. Que nada! Nem leite nem mãe, nem o rumor das folhas.
            Neste momento de lembranças difusas, lapsos mentais animais ou qualquer outra coisa que possa definir o que os animais têm ou sentem, o sofrimento batia forte, e era isto que Harambe sentia: sofrimento. Para aplacar a dor de ser órfão e viver em cativeiro, ele descobriu que uma coisa aliviava a dor de existir: bater a cabeça com força nas grades. Ele agarrava os ferros e batia a cabeça com toda a força até doer e doer muito. A dor física o fazia esquecer o passado perdido. Isto arrancava aplausos da multidão de humanos grandes e pequenos. Que aplaudissem, tanto fazia, só queria sentir alívio para a sua dor.
            De repente um garotinho travesso ainda inocente apareceu ao seu lado. Era um pequeno ser, infinitamente menor do que ele, o grande gorila de 17 anos e 180 quilos. Era quase um bebê. Inconsciente de seu tamanho e força, Harambe puxou o menino para si, talvez quisesse abraçá-lo, confortá-lo, sentir seu cheiro, seu amor, afinal era tão pequeno quanto ele quando foi arrancado de sua mãe. Quem sabe gostaria de ir para a água, ele próprio amava os rios! Mas enquanto arrastava o pequeno para a água, Harambe foi abatido com vários tiros pelos funcionários do Zoológico. Eles não sabiam, mas libertaram Harambe. Sim, eles o libertaram da dor de ter que bater sua cabeça nas grades por muito mais anos.

            Zoológico, o que é isto? Apenas um circo de horrores. Nada mais do que isso. Haverá um tempo em que animais e humanos poderão conviver com respeito e amor. Mas para que isso aconteça, o homem precisará se elevar acima das pequenezas humanas. Bastaria ver os olhos tristíssimos de Harambe, ainda que morto.         

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