Qualquer tipo de violência é abominável. O episódio
de ontem do ato terrorista em Nice e também os últimos do ano passado na França
nos fazem refletir sobre o que houve. Quaisquer atos terroristas são
inaceitáveis, seja em prédios, sedes de jornais, aviões, praças públicas, sejam
assaltos, estupros, enfim, qualquer violência. Nada justifica a violência e
nada como a paz. Vivemos dias tenebrosos e olhamos com desconfiança e medo para
o futuro. A esperança dos anos dourados e de uma paz duradoura converteu-se em
decepção. O grupo que assumiu o ataque e assassinato dos jornalistas franceses
no ano passado mandou um duro recado à França e outros países da Europa, ao que
os dirigentes europeus responderam em tom igual. Tudo isso me dá arrepios. Diz
o ditado popular: quem semeia vento colhe tempestades.
Bem, mas minha reflexão passa ao
lado do episódio da França. Vamos retroceder no tempo lá bem longe quando as
grandes potências europeias se serviram de colonizações no passado.
Colonizações é modo dizer porque sabemos que o termo apropriado seria
explorações. Uma nação era poderosa na medida em que era capaz de conquistar um
território, digo, invadir, tomar posse, surrupiar bens em terra ou mares. Os
habitantes “conquistados” se limitavam a aceitar o cargo de empregados dos
ricos europeus. Viram seus territórios serem sugados no limite. Quando já nada
mais podiam retirar dos conquistados, os ricos voltaram para suas casas
confortáveis, suas cidades bonitas, bem longe da pobreza das colônias. Mas
acontece que esses inoportunos estrangeiros decidiram procurar abrigo nos
países ricos, afinal foram estes que lhes tiraram tudo. No caso específico da
França, o caso é mais complicado porque os inoportunos estrangeiros são
nascidos na França, e há tempos vêm demonstrando o ódio que sentem pelos seus
colonizadores do passado.
Outro dia vi um vídeo que me
estarreceu e esclareceu sobre a Somália e seus piratas. Isso mesmo, a Somália,
aquele país devastado com fotos de mulheres esquálidas com filhos igualmente
esquálidos chupando peitos magros e sem leite. Considerando minha ignorância,
tomei a prudência de examinar com cuidado vários artigos e opiniões para não
incorrer no erro de me deixar levar pelas emoções e meras informações sem
considerar as causas e a história.
A Somália foi colonizada pela
Itália e Inglaterra, e só em 1960 ficou independente, com um governo que não
durou mais que nove anos, e como geralmente acontece, os somalis não souberam
como se conduzir. Uma sangrenta guerra civil deu lugar a uma disputa entre
grupos que combatem até hoje entre si pelo controle do país. O que se vê hoje
como ontem é um país totalmente devastado, com um milhão de refugiados, fome,
seca, violência e caos. A Somália é considerada o país mais perigoso do mundo.
Aproveitando-se da situação
caótica, barcos dos Estados Unidos, da Ásia e da União Europeia praticaram e
praticam uma pesca ilegal nos mares da Somália, uma pesca não declarada e não
regulada. A exploração é tanta que as reservas pesqueiras têm seus dias
contados em um país que não tem autoridade nem meios para proteger sua costa.
Em meio a essa prática ilegal, a Espanha é responsável por 60% da pesca do atum
e a França por 40%. Assim, a União Europeia rouba e empobrece a população mais
miserável do mundo, tirando daquelas mães e filhos esquálidos sua principal
fonte de proteína. Os pescadores locais nada puderam fazer. A humanidade tem
feito ouvidos moucos para o sofrimento do povo somali.
Mas a arrogância dos países ricos
não parou por aí. Depois de pescar ilegalmente nos mares da Somália, despejaram
barris com conteúdo altamente tóxico em suas águas, fazendo daquele país seu
grande lixão. O tsunami de 2004 trouxe os barris para as praias, provocando
doenças e mortes para os habitantes locais. Bem, aí apareceram somalis
fortemente armados atacando barcos estrangeiros que se habituaram a passar por
aquelas rotas. A princípio, esses pescadores somalis reagiam de maneira
desesperada para defender sua pesca em seu território, porém, passaram a sequestrar
barcos e pessoas e exigido muito dinheiro para seu resgate. São os chamados
piratas da Somália, que têm 70% de apoio da população local.
Vendo-se privados do vergonhoso
lucro em seus negócios pesqueiros, os bandidos legais que pescavam ilegalmente
lá naquelas águas já contaminadas por lixo tóxico, foram reclamar pro mundo e a
ONU os ouviu. França e Espanha encabeçaram a petição de uma severa ação militar
conjunta. Criaram uma patrulha com navios de guerra, aviões de reconhecimento e
o diabo a quatro, afinal precisavam defender seu direito de roubar.
Mas por que não vão pescar nos
seus próprios mares? Porque já não têm o que retirar deles. Faz-me lembrar do
filme “Avatar”, quando o planeta Terra já estava totalmente devastado, e foram
invadir outro planeta para extrair dele tudo o que houvesse para ser extraído.
Nossa Amazônia que se cuide.
O vídeo termina com a triste
realidade dos barcos pesqueiros também do Senegal, que não podendo mais exercer
aquela função original de pescar, servem para transportar seu povo que busca
uma vida melhor nos países europeus que lhe roubaram o futuro. E na Somália, os
barcos pesqueiros agora também têm outra utilidade: transportar os ditos
piratas para ameaçar os europeus e similares.
Ora, quem são os piratas? Os
somalis, filhos da violência, que nasceram e viveram no meio de suas próprias
guerras ou os mocinhos europeus e americanos que foram despudoradamente pescar
nos mares da Somália?
Retomando o primeiro parágrafo,
reafirmo que qualquer tipo de violência é abominável, portanto sequestro e
pirataria também são atos condenáveis. Juridicamente, todo Estado pode prender
um navio em razão de atos de pirataria no alto mar. Acontece que, no caso da
Somália, os atos de pirataria têm sido praticados em suas próprias águas
territoriais, onde se estende a sua competência jurisdicional. Entretanto,
ocorre ainda que pelo caos existente em razão da guerra civil
interminável, a Somália renunciou ao direito de soberania sobre seus
territórios. Aí a coisa ficou ao Deus dará.
É importante ressaltar que
fortunas incalculáveis já foram gastas para garantir a presença da frota naval
e militar para impedir os atos de pirataria e legalizar a passagem ou pilhagem
feita pelos navios dos ricos países, dinheiro que se tivesse sido gasto para
ajudar o país africano a se reerguer, talvez este problema da pirataria não
tivesse surgido. Evidentemente que as nações dominantes só enfiaram a mão no
bolso para defender seus interesses econômicos, jamais para defender um país
falido.
Nada justifica a violência de um
ato de pirataria, nem qualquer ato de violência e terrorismo como o de ontem na
França, mas a história mostra que pessoas crescidas no caos da guerra e
violência tendem a ser violentas. É imensamente triste saber que inocentes, em
grande parte crianças, foram mortos esmagados por um caminhão carregado de
ódio. Entretanto, fica aqui meu grito de apoio aos habitantes da Somália e
outros tão sofridos países da África pelos milhares de somalis e outros
africanos mortos pela guerra, pela fome, pela miséria, pelo descaso, pelo abandono,
e que nunca serão homenageados como já foram e estão sendo os franceses.
Fontes:
- Machado, Jeruza de Carvalho. O ataque dos
piratas na costa da Somália. Âmbito Jurídico.com.br
- Paiva, Murilo Evangelista. A pirataria
marítima na Somália em consequência da violação dos direitos humanos.
- Longo, Raul. Quem são os verdadeiros piratas
da Somália.
- Silva, Gabrielle Carolina; Santos, Adriana
Cristina Omena dos Santos. A representação midiática dos “piratas” da
Somália pela Revista Veja. Universidade Federal de
Uberlândia.
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