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Eu sou consumista, assumo. Já fui mais,
mas ainda sou. O problema é ver, a cobiça dos olhos, entende? Se estou em casa,
se estou escrevendo, lendo ou fazendo almoço, não tem problema. O problema é
ver, não sei como inventam tanta coisa bonita para mexer com a vontade de
comprar. E a gente é mulher, vaidosa, gosta de se enfeitar, de pintar as unhas
de florinhas, de admirar vitrine, de namorar um sapato, mesmo que no armário
estejam mais outros tantos. Contra o argumento de meu marido de que já tenho vários
pares de sapatos, eu tento fazê-lo entender que este sapato é diferente daquele
(fato absolutamente incompreensível para ele). Confesso que gostaria de ser
menos vaidosa, de ser mais simples, assim despojada, de não sentir tanta falta
do batom e nem do perfume. Conheço algumas mulheres que são bem naturais e
sinto uma secreta inveja, nem tão secreta assim, para dizer a verdade. Desejaria
ser como elas. Mas, voltando ao sapato. Não aguentei. Voltei no dia seguinte e
comprei. Uma vez concretizado o ato, só me restava relaxar, algo como agora não
adianta sofrer, o que está feito está feito, já que está comprado vou curtir, e pouco a pouco a culpa foi-se embora deixando um delicioso sentimento
de criança feliz. E assim vinha eu, feliz da vida com a sacola no braço, e foi
aí que vi um moço, vestido pobremente em frente a uma dessas agências de
emprego. Ele olhava atentamente para os anúncios, vaga disso, vaga daquilo. Foi
como um soco no estômago, uma notícia ruim. Reparei que seus sapatos eram
velhos, pareciam bem maiores do que os pés. Sua roupa também era simples,
surrada. Era um moço desempregado, vai ver que não tinha nada no bolso, que não
tinha nada para levar para casa naquele dia e eu levando um par de sapatos
novos de que não precisava. Doeu. Guardei minha felicidade. Se tivesse passado
pela outra rua não teria visto o moço, o que os olhos não veem, o coração não
sente, não é assim? Mas vi, não tem como negar. Lembrei-me da oração dos Santos
Anjos: “tirai de nossos olhos as vendas que nos impedem de ver as necessidades
de nosso próximo e a miséria de nosso ambiente porque nos fechamos numa mórbida
complacência de nós mesmos”. Ah meu Deus, tem piedade de mim. É que sou mulher,
gosto de me enfeitar. Desejei que o moço me pedisse qualquer coisa, até o par
de sapatos eu daria para sua mulher, sua mãe, sua namorada. Se ele tivesse me
pedido, teria sido mais fácil para mim. Quis ajudá-lo, mas fiquei com vergonha,
não sabia como abordar, ele poderia ficar ofendido, e também não é assim que
vou aplacar a culpa de ter comprado sapatos novos. Da próxima vez vou resistir.
Da próxima vez vou prestar mais atenção nas necessidades dos outros, da próxima
vez vou me lembrar de que o que me sobra, falta a alguém e não vale dizer que o
desemprego e a pobreza são problemas dos governos, da próxima vez, ah, deixa
pra lá, afinal é só um sapato. É que sou mulher, vaidosa, humana,
demasiadamente humana, entende?
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