sábado, 3 de setembro de 2016

AVENTURA EM MADRI




            Aconteceu nos tempos em que ainda se usava comprar dólares para passear na Europa. De férias, lá fomos nós exultantes, três amigas ainda jovens, sem problemas, sem preocupações, sem marido, sem filhos, sem lenço, mas com documentos. Iniciamos nossa jornada com a Espanha. Não cabíamos em nós de contentes. Madri, que linda! Que antiga! Que charmosa! Guardávamos nosso passaporte, cartão de crédito e o “grosso” do dólar em capangas sob a roupa, e todos os dias, antes de sair, abastecíamos nossa carteira com uma pequena quantidade de dólares para o dia servindo para compras e alimentação. Num dia em particular que saímos, resolvi colocar uma quantidade maior de dólares na carteira: 300 dólares mais precisamente. E fomos conhecer um parque muito bonito.   
            Eu me lembro com nitidez absoluta de que ainda não havia comprado nada. Era uma linda manhã e curtíamos o passeio no parque. Em seguida fomos a uma cafeteria para um lanche. Cada uma de nós escolheu o que lhe apetecia e fomos pagar. Abri minha carteira e não havia nem um dólar! Santa Madre de Dios! Estupefata, afastei-me para procurar melhor, mas não havia como o dinheiro não estar ali! Sentindo-me amedrontada e nervosa, fui comer o lanche pago por uma das amigas. Sentamos no fundo da cafeteria, ao lado de um balcão. Ficamos refazendo nosso trajeto para entender o que havia se passado. Nós nos lembramos de um fato: um rapaz simpático e falante havia nos abordado no parque. Mas não abrimos a bolsa, conversamos pouco tempo, dizendo de onde vínhamos e coisas assim normalmente faladas em ocasiões como esta. Só podia ter sido ele. Mas eu não abri a bolsa, não tirei a carteira, nós três estávamos certas quanto a isso.
            Bem, em dado momento, uma das amigas, minha prima Musa, foi pegar algo em sua bolsa e sem acreditar, viu que sua bolsa havia sumido. O perigo desses balcões ao lado de mesas é comprovadamente real. Aprendi há muito tempo que fora de casa, lugar de bolsa quando vamos comer é no colo mesmo, seja a bolsa de que tamanho for. Aí foi a vez de minha prima se sentir medrosa, na verdade ficamos as três apavoradas. Olhamos em volta, nada. Impossível saber quem roubou. Seria o mesmo cara do parque que me roubou 300 dólares hipnotizando nós três? Sim, porque não seria possível que ele tivesse conseguido a façanha de abrir minha bolsa, pegar a carteira, tirar o dinheiro e devolver a carteira para a bolsa. Fomos hipnotizadas, mas ele nem era tão bonitão assim.
            Saímos arrasadas da cafeteria. Minha prima havia perdido uma máquina fotográfica, sua carteira, porém com pouquíssimo dinheiro, ainda bem. Humm, o que mais? Escova de dentes, escova de cabelos, batom, colírio, itens básicos de beleza e higiene. Ficamos andando a esmo feito baratas tontas, sem saber o que fazer, até que a Sandra, nossa saudosa amiga teve a ideia de irmos à delegacia para prestar queixa dos dois roubos. A princípio não quisemos, ah que mico! Mas afinal parecia o mais certo a fazer. Perguntamos onde ficava e fomos a pé mesmo, não era longe. Lá chegando, ficamos admiradas com a limpeza, organização, ambiente acolhedor e até música clássica de fundo. Aí a Sandra disse: nossa! Que beleza, que diferença de nossas delegacias. Logo se vê que é primeiro mundo!
            Não passam dois minutos e num salto ficamos de pé apavoradas com gritos, berros, palavrões em espanhol é claro, barulhos de pesadas, de murros, de cadeiras caindo. Eis que surgem subindo pela escada acima, policiais segurando uma mulher desgrenhada, suja, com cara de louca que desferia chutes pra todos os lados feito uma desvairada. Ela estava drogada, era evidente, mas sua força era maior que a dos quatro policiais que não conseguiam segurá-la. Foi um Deus nos acuda, ficamos espremidas num cantinho da sala, eu com a cabeça enterrada no peito da Sandra, morrendo de medo. Daí a pouco o delegado, um homenzarrão a la sargento Garcia mexicano com barriga proeminente e bastos bigodes, nos chamou à sua sala. Narramos o acontecido em inglês e o homem que não estava de cara boa ficou nos olhando como quem não estava acreditando em nossa história. Bem que eu não queria ir. Até que enfim, com muita má vontade, nos deu um formulário com inúmeras páginas com carbono para preencher todos os minúsculos quadradinhos requeridos. Acho que foi a Sandra que preencheu. Curiosas, logo verificamos que nas últimas folhas o escrito não saía. Mostramos para o delegado que impaciente, disse num vozeirão estrondoso que deu medo: strrronguiiiiii (forteeee, com um sotaque terrível). A Sandra calcou a caneta e finalizamos a tarefa. Respirando fundo saímos da delegacia e fomos direto para o hotel, não sem antes passarmos no supermercado para ajudar a Musa a fazer seu “enxovalzinho”, como dizia a Sandra: escova de dentes, escova de cabelos, pasta dental, batom e outros itens imprescindíveis que as mulheres sempre carregam.   
            No caminho, a Musa perguntou: para que tantas vias daquele famigerado formulário? Até parece que vão fazer alguma coisa! Ao que a Sandra respondeu: uma via para a delegacia, outra para a embaixada, outra para nós, outra para a mãe do delegado e outra para o ladrão! Rimos muito e foi bom para afastar nossos temores.
            Nos dias seguintes sofremos uma sucessão de perdas: esqueci no ônibus de turismo uma estampa que pensava em colocar num quadro. Compramos algo em um bar e nos deram o troco errado, inútil reclamar. Aí pegamos a mania de dizer: stolen again (roubadas de novo) sempre que novo episódio do tipo acontecia. Lembro-me de que compramos umas miniaturas de garrafas de vinho e logo constatamos que o preço na outra loja estava pela metade do que pagamos. Stolen again foi nosso slogan para o resto da viagem.
            No último dia na Espanha fomos ao Valle de lós caídos, e flagrei a Musa no meio de um pátio enorme, com os olhos brilhando ao encontrar algumas moedas que estavam no chão. Eis que ela elevou uma moeda contra o sol, olhou, olhou bem, examinou, depois jogou dentro de sua nova bolsa exclamando com um sotaque espanhol perfeito: Hei de recuperar peseta por peseta que yo he perdido. Morri de rir, principalmente pela determinação com que proferia esta promessa.

            No dia seguinte deixávamos Madri com péssimas lembranças das perdas, mas mesmo assim enamoradas da bela cidade. Tomamos o trem para Lisboa sem dificuldades porque nossos bilhetes ficaram a salvo dos ladrões, posto que permaneceram guardados quentinhos dentro da capanga da Musa. Valeu! Oh saudades da Sandra!

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