Dizem
que para que duas pessoas se conheçam de fato, têm que comer um saco de sal (ou
farinha) todo dia juntos. Realmente, uma coisa é namorar, outra é morar juntos,
dormir juntos e fritar juntos. Cada casal tem seu ponto nevrálgico. O meu,
melhor dizendo, o ponto nevrálgico do meu casamento foi a gordura. Gordura,
isso mesmo, aquela coisa que gruda na panela, no fogão, nas paredes, no chão e
na gente mesmo, no corpo e se bobear até na alma. Meu marido, que é um
cozinheiro de paixão, ficou horrorizado comigo. Foi num dia, logo no início em
que tudo são flores, como dizia meu pai. Eu voltava da escola, onde fazia
estágio. Entro em casa e juro, havia uma névoa de gordura que pairava como um
véu sobre a sala, lembrando aqueles fogs londrinos. Ele havia fritado mandioquinhas
e eu aprontei um estardalhaço, disse que as cortinas estavam cheirando e
manchadas. Nosso almoço foi pro espaço, ele ficou aborrecido e eu admiti minha
intransigência, pedindo desculpas carinhosamente. Olha que muito amor foi
preciso para que a barreira da gordura fosse derrubada. Foram anos de
persistência, de uma friturazinha aqui, outra ali. Aos poucos, fui reabrindo os
processos e revogando as sentenças, até que carimbei liberado, com restrições.
Por exemplo, uma vez em quinze dias, que depois já caiu para uma vez por
semana. Há alguns anos eu fechava a porta da cozinha, abria todas as janelas e
no dia marcado para a fritura, eu amanhecia deprimida, sem fome alguma, até com
alguma indisposição. Foi caso para o psicanalista que após muito me analisar,
arriscou que eu transferia o medo da gordura para a gordura do próprio corpo,
quero dizer, ou melhor, ele queria dizer que eu tinha medo de engordar, logo
eu, tão magra de ruim. Também analisamos juntos todas as etapas do meu passado,
até chegar à infância, até o tempo em que não havia fogão à gás, fritava-se no
fogão à lenha. Faltou pouco para uma análise de outras vidas, quem sabe teria
sido eu uma cozinheira inconformada, presa numa cozinha de idade média e
cheirando gordura por todos os poros. Como não sou dessas crenças, encerramos a
análise a respeito da gordura e como última estratégia, ele sugeriu que eu
comprasse uma frigideira de titânio, dessas que o fabricante jura que não é
preciso nem uma gota de óleo. Comprei. Caríssima. Mandei fazer uma embalagem
que ficou linda, colocaram uma fita vermelha assim por cima, fazendo um laço.
Não deu certo, o que meu marido gosta mesmo é de um bom bife e essa coisa de
que a frigideira não precisa de óleo é pura cascata.
Superamos, quer dizer, eu superei, mais ou
menos. Há um tempo para tudo, tempo para fritar, tempo para cozinhar e tempo
para amar. A coisa está ficando tão relaxada que até já aceitei que fritasse
pastéis de palmito e tenho que admitir, estavam deliciosos. Valeu a pena! Estou
ficando curada e, é claro, engordurada. Nada é perfeito.
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