A Minervina era de amargar, como diziam os
antigos. Acostumada a falar o que bem entendia, não sabia com quem estava
lidando – minha mãe. Bem capaz de minha mãe tolerar que lhe dessem ordens! E
não é que a Minervina prepara um doce e grita para minha mãe, Ohhh Zezé! Fiz um doce pra vocês, manda
alguma criança subir aqui pra pegar.
Minha mãe respondeu, agora não dá, Nerva,
estou ocupada. Nossa casa ficava abaixo da casa de Nerva e para não ter que
dar a volta, costumávamos subir a ladeira do quintal para chegar lá na casa de
nossa tia. Mas criança carregando ladeira abaixo doce em travessa de vidro? Nem
pensar! A Nerva perdeu o juízo. Aí a Nerva grita de novo, Ohh Zezé, o doce ainda tá aqui, ninguém veio? E minha mãe, já disse que estou ocupada, não tem nenhuma
moça feita aí (minha mãe sabia que havia pelo menos duas) pra trazer aqui? E a Nerva, aqui não tem, manda uma criança. Aí
minha mãe encerrou a questão, mando coisa
nenhuma, recolhe esse doce que ninguém vai buscar e eu não quero mais. Mais
tarde minha tia trouxe o doce e falou para minha mãe que Minervina estava
chorando, muito sentida. Minha mãe não ficou nem aí.
Minervina veio da roça ainda muito mocinha
para trabalhar com meus avós e tios. Era pessoa considerada da família, ajudou
a criar a meninada. Sentia o maior orgulho de cozinhar para todo mundo e era um
honra para ela quando havia convidados. Quanto mais convidados, mais honrada a
Nerva ficava em servir. Nunca cogitou namorar e casar. Sua missão de servir
vinha acima de tudo. Certa vez, quando estávamos no terceiro ano primário, eu,
meu primo e outros colegas queríamos fazer uma surpresa para a professora que
por sinal era casada com outro primo nosso. Pensamos num bolo daqueles que a
Nerva sabia fazer como ninguém no mundo. Fomos lá pedir pra ela. Ela fez o
maior suspense, rodeou aqui, ali, disse que não podia, que estava muito
ocupada, perguntou quanto poderíamos pagar. Disse que iria pensar. Um belo dia,
a Nerva nos chamou lá e quando entramos pela cozinha, lá estava o bolo mais
lindo do universo inteiro, acho que tinha mais de um andar, verde, de um glacê
durinho que ninguém nunca mais na face da terra conseguiu fazer, tinha umas
florzinhas cor de rosa enfeitando. Não quis receber nada, o que foi ótimo
porque também não tínhamos dinheiro algum. Ficou feliz em servir.
Só que era gente como todo mundo, e sentia
carência de afeto como qualquer um. Bem mais tarde, já velhinha, quebrou a
perna e o dia mais feliz de sua vida foi quando, no hospital, recebeu a visita
de dezenas e dezenas de pessoas. Era a própria imagem da felicidade, sentia-se
importante como a rainha da Inglaterra e falava como quem houvesse recebido o
prêmio Nobel, abrindo o maior sorriso: quebrei
a perna!
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