Querida Sandra
Aqui o tempo passa velozmente e
assim, já vai para um ano que não convivemos mais com você. Não sei como é o
tempo aí, ninguém sabe. Acredito na vida eterna, mas sinceramente não acredito
que você vá ler esta carta, pois as coisas no Céu certamente não se passam como
aqui. Escrevo literariamente, poeticamente, pois na literatura podemos criar
mundos, vidas e histórias de acordo com nosso desejo e construir o fim que
queremos, ou melhor, podemos construir histórias encantadas sem fim. Escrevo pelo
incorrigível hábito de fingir que é possível que você possa ler uma carta minha.
Você sabe que esta pretensa ilusão é apenas produto de minha limitada capacidade
humana que me faz viver apegada a todos a quem amo tanto, os que ainda estão
aqui e os que já se foram. Nossos queridos se vão como iremos nós, mas eles
continuam vivendo em nossos corações, fazendo parte de nossa vida diária.
Dizia um grande amigo meu, ateu
convicto, que não existe vida eterna. Afirmava que as pessoas permanecem eternas
em nossa memória afetuosa pelas coisas que costumavam dizer e da maneira como
diziam. É fato, isso acontece. Assim permaneceriam eternos meu pai e minha mãe
pelos seus adjetivos preferidos que passaram a ser nossos também. E não é que é
tão bom dizer que uma coisa é “superior” ou “formidável”, tipo um sorvete, ou
uma torta só porque meu pai assim dizia? Ou que tal pessoa é “extraordinária”
como enfatizava minha mãe? E aí rimos muito com muito carinho quando empregamos
as expressões da mamãe: “fulana ficou chaleirando sicrana”, ou “fulano passou
um respe em beltrano”. Mas não pode ser só isso. Não, definitivamente não
acredito apenas em adjetivos eternos, acredito em vidas eternas.
E como a morte faz parte da vida
quer queiramos ou não, sobre ela já foi escrita uma infindável e vasta
literatura. Todos os filósofos, escritores, poetas, estudiosos, religiosos já
falaram e falam sobre a morte. Até as pessoas mais simples filosofam sobre ela
de maneira acertadíssima, como fazia certa pessoa querida quando dizia: “vai
quem vai, feijão no fogo pra quem fica”. Quer maior verdade? E lá se apressava ela
indo para o fogão alimentar os familiares com os corações feridos, narizes
fungando e olhos vermelhos. É. A vida continua. É doloroso, mas a vida
continua. Há os que tentam amenizar ou suavizar a morte, como dizia Montaigne:
“Em vez de dizer, morreu, dizem: ela cessou de viver; ela viveu”. Mas por
ocasião da morte de meu pai, entre lágrimas, eu fiz questão de dizer, talvez pela
dor, por revolta ou saudade: papai não faleceu e foi sepultado, ele morreu e
foi enterrado, assim impingia a mim mesma um sofrimento que eu julgava merecido.
A morte sempre será um silêncio abissal.
Minha querida amiga, falar em
saudades suas é chover no molhado. Estamos todos bem, estão todos bem, na
medida do possível. Nossas Cimeiras do Café da Ciça nunca mais foram as mesmas
e nem serão, mas continuam com aquelas indefectíveis poses para fotos, e haja
gentileza da nossa adorável caçulinha Gigi! Parecemos “As alegres comadres de
Windsor” com todas falando ao mesmo tempo. Até hoje as meninas não acreditam
que eu que faço o bolo, dizem que é “o bolo do Motta”. Paciência. E de vez em
quando alguém grita: “deixa eu falar”! Eu continuo dançando o “Boneco de
Olinda”, sempre me lembrando de quando você insistia rindo sem fôlego: “Misa,
faz de novo o Boneco de Olinda”. Seu riso permanece entre nós, bem como sua alegria,
sua presença marcante para sempre insubstituível.
Tenho
ido visitar sua mãe que sempre me recebe com a mesma gentileza inigualável, e
conversamos sobre tudo, como quando você ainda estava aqui. Ela me diz sempre
que “Deus é soberano”. Nossos laços ficaram mais fortes e mais amorosos. Quando
trocamos abraços ela costuma me segredar que precisa me abraçar forte para sentir
o seu gostinho em mim e eu digo o mesmo para ela. Há muitas outras coisas a
dizer, amiga querida, mas meu coração já começa a chorar. Eu sei, eu sei, o Céu
não podia esperar.
Com
amor
Misa
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