sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O HOMEM CRIADOR




            Não é de hoje que o homem anseia por descobrir o segredo da vida. Há alguns anos, o geneticista americano Craig Venter anunciou a criação da primeira bactéria a viver com o código genético montado em laboratório. Daí a criar uma vida artificial ainda tem chão, mas o feito de Venter é importante na medida em que, pela primeira vez, foi criado quimicamente um genoma inteiro, ainda que esse genoma não seja original, mas recriado de um já existente. Desde sempre, o homem criado quer ser criador em busca da derrota da morte, e a história mostra sua insistente luta pela imortalidade. Muitos degraus já foram galgados nessa empreitada, porém de forma mais contundente, desde a ovelha Dolly os cientistas se debruçam cada vez mais sobre DNAs e mais DNAs, ansiosos pelo próximo passo e parece que chegam cada vez mais perto de desvendar o grande mistério da criação.
            É da natureza do homem ser criativo e movido pelo desejo, características que já não percebemos nos animais. Podemos observar, admirados, a finíssima teia de aranha artisticamente urdida, a colmeia de abelhas com todos seus desenhos geométricos, o ninho de pássaros pacientemente construído, mas já sabemos que tudo isso acontece desde que o mundo é mundo, pois nunca foi constatado que uma abelha ou uma aranha tenham ousado arquitetar seu habitat de forma diferente.  Com o homem a coisa é outra. Sempre persistente e curioso, ele não para de buscar novos desafios, engendrando novas fórmulas e projetos, tentando melhorar sua qualidade de vida.
            Passado o tempo da idade das trevas em que a ousadia humana era vista como pecado e por essa razão duramente reprimida, o homem se esbaldou permitindo-se experimentar misteriosas misturas em seus modernos e profanos laboratórios. Livre para criar, ele pôs em prática toda a enxurrada de ideias que desde sempre fervilham em sua mente e povoam seus sonhos. Afinal, somente a ele foi concedida a graça de se desenvolver, de se aprimorar e de superar seus limites. Em todas as áreas o homem cresce, avança, contorna obstáculos e se delicia com as novidades que sempre estiveram ali, à espera de quem as descobrisse.
            E a arte imita a vida. O homem, sequioso por descobrir o que existia além do Jardim do Eden e criar ele mesmo seu próprio mundo, inspirou escritores que dispuseram as criaturas contra os criadores, como Frankenstein que se rebelou contra seu criador e os robôs da era moderna contra os cientistas que os criaram. Haverá sempre um preço de ser criador e de ser criado. É bom refletir: estarão todos aptos e dispostos a arcar com ele?
            Não resta dúvida de que a biologia molecular e a engenharia genética foram enriquecidas pela descoberta de Craig Venter e certamente serão mais ainda com outras novas descobertas que virão. Novas vacinas poderão ser usadas para impedir epidemias como as que já assolaram o planeta. Combatidas as doenças, pode-se prolongar a vida e adiar a temida morte, mas até hoje ninguém conseguiu vencê-la. Duvi-de-o-dó (como dizia minha mãe) que consigam.   
Também li há poucos dias que um estudo feito em Nova York aponta que o homem já poderá viver em média 115 anos. Ave Maria! Já no Brasil a expectativa de vida ainda é bem menor. Bem, de qualquer forma resta-nos saber se diante de tanta longevidade, quando o homem não tiver mais com o que sonhar e vencer, não sentirá o desejo de morrer, pois não será justamente a incerteza e a misteriosa transitoriedade da vida que a fazem ser tão preciosa e bela? E outra: como fará o Estado para resolver o problema das aposentadorias eternas? Espero que o atual governo resolva este famigerado problema como tem prometido.

E mais uma coisa. Se de fato pretendemos viver indefinidamente, que seja amando a vida e este mundo caótico e belo. Poucas pessoas chegam à idade avançada com capacidade de refletir com sabedoria e humildade. Li uma fala poética de Saramago em que ele cita sua avó: “ ... disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: 'O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer'. Assim mesmo. Eu estava lá." Saramago (As pequenas memórias). Nossa, gente, que coisa mais bonita!

Nenhum comentário:

Postar um comentário