sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

JUÍZO FINAL




Soou a sétima trombeta. Isso mesmo. Pela manhãzinha ressoaram os sete trovões. O Juízo Final. Todos acordaram com um som terrível de uma trombeta que não era da Terra, mas dos Céus. E de fato houve relâmpagos, trovões, terremotos. Os céus se abriram e lá estava Deus sentado em Sua Majestade à espera dos relatórios, e do relatório final, ou seja, dos nomes dos inscritos no livro da vida. Deus não tinha uma imagem clara, todos sabiam que era Ele, mas não conseguiam vê-Lo. Ao seu lado toda a Corte Celeste estava presente, os santos que ela tanto amava e de quem invejava as virtudes que eu não soube cultivar. E uma coisa era certa: sem cultivar, não se colhe.  
Mesmo com Deus em Sua Majestade, sua mente voou para o mundo. Lembrou-se de repente de outras listas quando esperava hirta e angustiada se seu nome estaria ou não na lista. Lista de transferidos do trabalho para outra cidade, lista dos aprovados em tal e tal concurso, listas e mais listas de nomes. No entanto, nesta vida em que “a figura deste mundo passa”, essas listas também já haviam passado, não eram mais tão importantes assim. Tudo acabou se arranjando de um jeito ou de outro. Mas esta lista de agora, puxa, esta era a final. Estaria ela lá? Impossível saber.
As pessoas estavam silenciosas. Não choravam, nem gritavam, ninguém estava em pânico. Todas estavam em choque, isso sim, à espera de seus nomes. Mas e o perdão? Sempre haveria a possibilidade do perdão. Sempre há. Até os reis terrenos quando queriam, concediam o perdão ao condenado. Mas O Deus do Céu, este sim conhecia cada coração. Veja bem, até São Paulo havia ordenado que apedrejassem Santo Estevão! Mas conheceu Jesus e caíram as escamas de seus olhos. Foi perdoado. E ela? Merecia o perdão? Sinceramente? Não sabia.
A quem mais ela podia recorrer nesta hora tremenda em que o próprio Deus aguardava a lista em suas mãos? A Jesus e sua mãe, naturalmente. E eles chegaram, tão simples, mas tão simples que uma pessoa desavisada não diria quem eram. Ela os reconheceu imediatamente. Jesus, não pela barba que se vê em qualquer imagem que dele fazem, nem pelas chagas, mas pelo olhar. E sua mãe, não pela beleza, mas pela doçura e pelo jeito silencioso. Havia também em sua cabeça uma coroa de doze estrelas, isso havia sim.
E eis que um santo olhou para ela diretamente nos olhos. Era São Paulo. Como o reconheceu? Também não sabia, mas sabia que era ele. Bem, ela foi se lembrando de suas frases de que tanto gostava! “A figura deste mundo passa”, como passa! E outra: “Não se ponha o sol sobre sua ira”. Ah esta era imbatível, pois é quando se dorme que fermentam os sentimentos. E mais outra que também exultava em se lembrar: “Não faço o bem que quero, faço o mal que não quero”. Pois é. Quantas vezes poderia ter deixado passar isso ou aquilo, e não deixou. Quantas vezes disse algo que não poderia ter dito! Quantas vezes deixou de dar uma esmola porque estava complicado abrir a bolsa, com sombrinha e sacolas. E, no entanto, queria fazer o bem, mas o inferno está cheio de boas intenções, dizem.
   São Paulo continuava olhando fixamente para ela, e lançava um olhar enigmático como quem quisesse dizer alguma coisa, mas que ninguém podia perceber. Será que tentava ajudá-la, tipo assim soprando alguma resposta que ela pudesse usar para se defender? Mas por que São Paulo? Sabe-se lá. Gostava de suas frases, mas ele não era, digamos assim, tão íntimo seu. De repente, ele colocou o braço à mostra disfarçadamente, e ela viu seu famoso espinho na carne. A carne sangrava abundante em volta de um duro espinho. Como pudera se esquecer do espinho na carne de São Paulo? Ora, todos têm um espinho na carne. Isso! Deus havia de considerar os espinhos.
Depois foi a vez de Santa Teresa de Ávila a olhar fixamente para ela. Pronto. Ela também queria lhe falar alguma coisa. Estes santos estão me ajudando, pensou. Então olhou para a santa com olhos ávidos para não perder nada. Santa Teresa cruzou os braços sobre o peito e abaixou a cabeça numa atitude humilíssima, era a própria imagem da humildade. Aí ela se lembrou de uma frase sua, entre tantas, que ela também tanto gostava: “ponhamos os olhos em Cristo e em seus santos e aprenderemos a verdadeira humildade.” A humildade, ah a humildade? Quem tem? Há quem tenha sim senhor.
Mas agora não dava mais tempo. Por mais que quisessem lhe ajudar, esta era a última hora, não obstante, olhou para os dois com gratidão. Em volta, as crianças brincavam alegremente, alheias à gravidade da situação, como é próprio delas. Aí se lembrou de Jesus que ensinava a todos serem como as crianças. Bom, seja o que Deus quiser, literalmente, pensou ela, resignada.   
De repente chegou um anjo maravilhoso que irradiava luz e bondade, e após ajoelhar-se diante de Sua Majestade, passou às suas mãos o que seria a salvação ou a condenação de todos. Ela sentiu vontade de chorar. Todos no maior silêncio do mundo. Não dava pra ver o tamanho da lista porque o papel devia ser desse tipo que se vê em filmes, de pergaminho todo enrolado e preso por duas hastes. Então Deus começou a desenrolar o tal papel, e lia e relia em silêncio, calmamente. Neste instante, Jesus e Nossa Senhora aproximaram-se de Sua Majestade e cochicharam algo em Seus ouvidos. Deus pensou um pouco. Fechou a lista, meio contrariado. Todos assistiam a tudo completamente estupefatos.
A voz de Deus soou forte como um trovão, e todos entenderam que teriam mais um pouco de tempo para aprender a viver no amor. Quem não aprendesse agora não aprenderia nunca mais. Em seguida os Céus se fecharam.
Ela acordou daquele sonho dantesco e ficou pensativa. Afinal, seu nome estaria naquela lista ou não? Jamais saberia. Antes que os Céus se fechassem, jurou que viu um sorriso nos lábios de Santa Teresa e um pálido aceno de São Paulo. Ela também esboçou um sorriso e sussurrou para si mesma: Bendito seja Deus em seus anjos e em seus santos! Amém! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário