Soou
a sétima trombeta. Isso mesmo. Pela manhãzinha ressoaram os sete trovões. O
Juízo Final. Todos acordaram com um som terrível de uma trombeta que não era da
Terra, mas dos Céus. E de fato houve relâmpagos, trovões, terremotos. Os céus
se abriram e lá estava Deus sentado em Sua Majestade à espera dos relatórios, e
do relatório final, ou seja, dos nomes dos inscritos no livro da vida. Deus não
tinha uma imagem clara, todos sabiam que era Ele, mas não conseguiam vê-Lo. Ao
seu lado toda a Corte Celeste estava presente, os santos que ela tanto amava e de
quem invejava as virtudes que eu não soube cultivar. E uma coisa era certa: sem
cultivar, não se colhe.
Mesmo
com Deus em Sua Majestade, sua mente voou para o mundo. Lembrou-se de repente
de outras listas quando esperava hirta e angustiada se seu nome estaria ou não
na lista. Lista de transferidos do trabalho para outra cidade, lista dos aprovados
em tal e tal concurso, listas e mais listas de nomes. No entanto, nesta vida em
que “a figura deste mundo passa”, essas listas também já haviam passado, não
eram mais tão importantes assim. Tudo acabou se arranjando de um jeito ou de
outro. Mas esta lista de agora, puxa, esta era a final. Estaria ela lá?
Impossível saber.
As
pessoas estavam silenciosas. Não choravam, nem gritavam, ninguém estava em
pânico. Todas estavam em choque, isso sim, à espera de seus nomes. Mas e o
perdão? Sempre haveria a possibilidade do perdão. Sempre há. Até os reis
terrenos quando queriam, concediam o perdão ao condenado. Mas O Deus do Céu,
este sim conhecia cada coração. Veja bem, até São Paulo havia ordenado que
apedrejassem Santo Estevão! Mas conheceu Jesus e caíram as escamas de seus
olhos. Foi perdoado. E ela? Merecia o perdão? Sinceramente? Não sabia.
A
quem mais ela podia recorrer nesta hora tremenda em que o próprio Deus
aguardava a lista em suas mãos? A Jesus e sua mãe, naturalmente. E eles
chegaram, tão simples, mas tão simples que uma pessoa desavisada não diria quem
eram. Ela os reconheceu imediatamente. Jesus, não pela barba que se vê em
qualquer imagem que dele fazem, nem pelas chagas, mas pelo olhar. E sua mãe,
não pela beleza, mas pela doçura e pelo jeito silencioso. Havia também em sua cabeça
uma coroa de doze estrelas, isso havia sim.
E
eis que um santo olhou para ela diretamente nos olhos. Era São Paulo. Como o reconheceu?
Também não sabia, mas sabia que era ele. Bem, ela foi se lembrando de suas
frases de que tanto gostava! “A figura deste mundo passa”, como passa! E outra:
“Não se ponha o sol sobre sua ira”. Ah esta era imbatível, pois é quando se
dorme que fermentam os sentimentos. E mais outra que também exultava em se
lembrar: “Não faço o bem que quero, faço o mal que não quero”. Pois é. Quantas
vezes poderia ter deixado passar isso ou aquilo, e não deixou. Quantas vezes
disse algo que não poderia ter dito! Quantas vezes deixou de dar uma esmola
porque estava complicado abrir a bolsa, com sombrinha e sacolas. E, no entanto,
queria fazer o bem, mas o inferno está cheio de boas intenções, dizem.
São Paulo continuava olhando fixamente para
ela, e lançava um olhar enigmático como quem quisesse dizer alguma coisa, mas
que ninguém podia perceber. Será que tentava ajudá-la, tipo assim soprando
alguma resposta que ela pudesse usar para se defender? Mas por que São Paulo? Sabe-se
lá. Gostava de suas frases, mas ele não era, digamos assim, tão íntimo seu. De
repente, ele colocou o braço à mostra disfarçadamente, e ela viu seu famoso espinho
na carne. A carne sangrava abundante em volta de um duro espinho. Como pudera se
esquecer do espinho na carne de São Paulo? Ora, todos têm um espinho na carne. Isso! Deus
havia de considerar os espinhos.
Depois
foi a vez de Santa Teresa de Ávila a olhar fixamente para ela. Pronto. Ela
também queria lhe falar alguma coisa. Estes santos estão me ajudando, pensou. Então
olhou para a santa com olhos ávidos para não perder nada. Santa Teresa cruzou
os braços sobre o peito e abaixou a cabeça numa atitude humilíssima, era a
própria imagem da humildade. Aí ela se lembrou de uma frase sua, entre tantas,
que ela também tanto gostava: “ponhamos os olhos em Cristo e em seus santos e
aprenderemos a verdadeira humildade.” A humildade, ah a humildade? Quem tem? Há
quem tenha sim senhor.
Mas
agora não dava mais tempo. Por mais que quisessem lhe ajudar, esta era a última
hora, não obstante, olhou para os dois com gratidão. Em volta, as crianças brincavam
alegremente, alheias à gravidade da situação, como é próprio delas. Aí se lembrou
de Jesus que ensinava a todos serem como as crianças. Bom, seja o que Deus
quiser, literalmente, pensou ela, resignada.
De
repente chegou um anjo maravilhoso que irradiava luz e bondade, e após
ajoelhar-se diante de Sua Majestade, passou às suas mãos o que seria a salvação
ou a condenação de todos. Ela sentiu vontade de chorar. Todos no maior silêncio
do mundo. Não dava pra ver o tamanho da lista porque o papel devia ser desse
tipo que se vê em filmes, de pergaminho todo enrolado e preso por duas hastes.
Então Deus começou a desenrolar o tal papel, e lia e relia em silêncio, calmamente.
Neste instante, Jesus e Nossa Senhora aproximaram-se de Sua Majestade e
cochicharam algo em Seus ouvidos. Deus pensou um pouco. Fechou a lista, meio
contrariado. Todos assistiam a tudo completamente estupefatos.
A
voz de Deus soou forte como um trovão, e todos entenderam que teriam mais um
pouco de tempo para aprender a viver no amor. Quem não aprendesse agora não
aprenderia nunca mais. Em seguida os Céus se fecharam.
Ela
acordou daquele sonho dantesco e ficou pensativa. Afinal, seu nome estaria
naquela lista ou não? Jamais saberia. Antes que os Céus se fechassem, jurou que
viu um sorriso nos lábios de Santa Teresa e um pálido aceno de São Paulo. Ela
também esboçou um sorriso e sussurrou para si mesma: Bendito seja Deus em seus
anjos e em seus santos! Amém!
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