sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

NOS TEMPOS DO REDINGOTE




 




            Eu estava numa clínica esperando para fazer um exame. Como é de praxe houve um atraso. E eu não tive opção a não ser assistir ao mundo acontecer como diz minha prima. Assistia ao vídeo show que passava numa tela à minha frente. Uma apresentadora entrevistava uma moça totalmente desconhecida para mim, pois não conheço nada de atrizes, novelas e programas de TV. A tal garota era uma participante do BBB que tinha sido eliminada recentemente. Ao observá-la atentamente lembrei-me da frase da “Caverna de Platão”: “Estranho quadro e estranhos seres são esses!” A moça tinha uma imagem carregada de exotismo e sedução. Maquiagem perfeita, cílios que davam várias voltas, boca carnuda pintada (é claro!), roupa provocante, daquelas que exibem o corpo em todas as suas curvas. Trazia várias tatuagens nas partes que eram visíveis, tipo um terço num braço, uma cobra ou algo parecido no outro braço e outras imagens das quais já nem me lembro. Era uma moça muito nova para tanta sofisticação. Nada contra a jovem. Nem a conheço. Conheci seu exterior apenas, o interior, nem o meu conheço bem. Mas o quero mesmo dizer, o que realmente me chamou a atenção de verdade foi a diferença entre ela e outras jovens de hoje com o que fomos nos idos de 60 e 70.
            Eu sei, eu sei o que você está pensando. Não é isso, não vou dizer que lá no passado é que era bom, não. Cada época tem suas coisas boas e más. O que faço é apenas uma retrospectiva de nossa época. Para tarefa de tal envergadura, conclamei minhas amigas do Café da Ciça, tão sessentonas quanto eu, salvo alguma pouco mais jovem e também a nossa mascotinha que realmente está na casa dos vinte. O material colhido foi tão vasto, tão rico e tão interessante que é impossível colocá-lo todo neste texto. Penso que daria uma boa tese de sociologia, ou melhor, de antropologia.
            Mas vamos aos detalhes sórdidos com requintes de crueldade de nossos hábitos e nossa cultura da época. Temos que considerar o fato de que muitos desses costumes estavam intrinsecamente ligados ao lugar onde passamos nossa adolescência e juventude, ou seja, uma pacata cidade do sul de Minas. Evidentemente que nas grandes cidades e capitais as jovens eram um pouquinho mais soltas. Minha avó chamava as moças que não eram do interior de “moças de praia” com um risinho sarcástico.
            Naquela época de 60 e 70, as anáguas e combinações ainda faziam parte de nosso vestuário. Para dizer a verdade, até hoje ainda uso uma combinação com determinado vestido que é transparente. Uma de nossas amigas lembrou bem que não era raro alguma anágua escorregar um tiquinho abaixo do vestido ou saia, aí alguém avisava para a fulana que ela estava vendendo farinha, expressão que nunca mais ouvi, e me deliciei, coisa mineira, sei lá. A moça ajeitava aqui e ali e puxava a anágua para cima.
Usamos toalhinhas higiênicas, na verdade, anti-higiênicas. Aí surgiu o famoso Modess, um apetrecho que definitivamente inscreveu seu nome na história da higiene feminina. Aqui em Itajubá, segundo uma participante da enquete sobre o passado, o Modess só era vendido na loja da querida Julinha. Naquela época não havia sacolas ou embalagens, tudo era acondicionado em papel de embrulho e principalmente os pacotes de Modess. A Julinha já os embrulhava com antecedência, talvez para não serem encarados de forma meio que indecente. Era chegar e pedir, lá vinha o pacote prontinho embrulhado num papel de embrulho rosa com durex e tudo. Mas ai da jovem, coitada da jovem que ousasse passar com este embrulho debaixo do braço em plena praça. Todos os habitantes da cidade sabiam tratar-se do absorvente e a moça era alvo de piadinhas maliciosas. O Modess foi para nós um símbolo de liberdade e conforto, um adeus às detestáveis toalhinhas. Porém, em comparação com as modernidades atuais, posso definir o Modess como um verdadeiro canhão entre as pernas. As meninas de hoje ficariam hor-ro-ri-za-das.
Bem, somos do tempo do conjuntinho de banlon, do vestido “tubinho”, mostrando as pernas, dos perfumes “English Lavander”, “Heure Intime”, “Fleur de Rocaille”, “Caleche”, “Almiscar selvagem”, “Muguet de bonheur”, “Lancaster” (para os homens), “Rastro da Phebo”. Enrolamos os cabelos em bobs molhados na cerveja, usamos laquê feito de pedra de breu, e suportamos uma esponja Bombril na cabeça para compor um coque chique para festa. Ah, também já passamos os cabelos à ferro quente para ficarem lisinhos.
Tomamos o famoso Postafen ou Postavit para engordar. Quase toda moça era magra, pois não havia requeijão nem chantilly, e depois usávamos o bambolê para afinar a cintura. Dançamos o rock, twist e hully gully, e nosso sonho de sedução era dançar de rosto colado ao som de Besame Mucho. Também tínhamos nossos momentos de tristeza quando rejeitadas pelo cara que era o pão da época e para esses momentos ouvíamos “Pobre menina” de Leno e Lílian.
Nossa vida era simples, nosso Facebook era um caderno de perguntas passado de mão em mão e esperávamos ávidas para ler as respostas das amigas e conhecidas, que nem sempre ou quase nunca correspondiam à realidade: “você já beijou?” Sim, ainda não, quase lá. “Quem foi seu grande amor?” É de matar de ternura a inocência das meninas e jovens daquela época.
Enquanto isso, Jota Silvestre brilhava em seu programa de auditório. Ele botava uma pessoa dentro de uma cabine à prova de som. Lá fora ele perguntava: você deseja trocar uma lambreta por uma lã preta? A pessoa só podia dizer sim ou não e aí dizia: sim! Ao que a plateia delirava!
Que mais gente? Ah tanta coisa, tinha a blusa cacharrel, a gola rolê, os sapatos Vulcabrás, alpargatas Roda, o Denorex, um shampoo anticaspa, que “parece remédio, mas não é”, o leite Paulista, o cobertor Paraíba, e os Redingotes, ah os redingotes, aqueles vestidos adoráveis, inteiriços e justos no busto, com gola italiana, abotoamento duplo, que podia ser usado como vestido ou como casaco, mais para épocas frias.
Se a moça do BBB fosse transportada para aquela época, certamente pensaria estar em outro planeta. Mas não é sempre assim?Nossas avós também ficavam horrorizadas com os costumes modernos daquele tempo. Mas uma coisa é certa: quase toda moça era virgem e sonhava com a noite de núpcias.  E mais: nenhuma moça tinha tatuagem em nenhum lugar nem visto nenhuma a não ser no braço do Popeye. E isso era bom ou mal? Não sei, depende, cada um no seu tempo. Nosso tempo foi o do Redingote!  
      

Um comentário:

  1. Misa, bom dia. Adorei o seu texto e até o publiquei na minha página do face. A medida que ia lendo, via a minha vida retratada nas suas palavras. Obrigada de coração pois também sou do tempo do redingote. Sou de Itapecerica - MG e tenho 69 anos.
    Continue escrevendo pois você tem muito talento.
    Um abraço.

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