Eu estava numa clínica esperando
para fazer um exame. Como é de praxe houve um atraso. E eu não tive opção a não
ser assistir ao mundo acontecer como diz minha prima. Assistia ao vídeo show
que passava numa tela à minha frente. Uma apresentadora entrevistava uma moça
totalmente desconhecida para mim, pois não conheço nada de atrizes, novelas e
programas de TV. A tal garota era uma participante do BBB que tinha sido
eliminada recentemente. Ao observá-la atentamente lembrei-me da frase da
“Caverna de Platão”: “Estranho quadro e estranhos seres são esses!” A moça
tinha uma imagem carregada de exotismo e sedução. Maquiagem perfeita, cílios
que davam várias voltas, boca carnuda pintada (é claro!), roupa provocante,
daquelas que exibem o corpo em todas as suas curvas. Trazia várias tatuagens
nas partes que eram visíveis, tipo um terço num braço, uma cobra ou algo
parecido no outro braço e outras imagens das quais já nem me lembro. Era uma moça
muito nova para tanta sofisticação. Nada contra a jovem. Nem a conheço. Conheci
seu exterior apenas, o interior, nem o meu conheço bem. Mas o quero mesmo
dizer, o que realmente me chamou a atenção de verdade foi a diferença entre ela
e outras jovens de hoje com o que fomos nos idos de 60 e 70.
Eu sei, eu sei o que você está
pensando. Não é isso, não vou dizer que lá no passado é que era bom, não. Cada
época tem suas coisas boas e más. O que faço é apenas uma retrospectiva de
nossa época. Para tarefa de tal envergadura, conclamei minhas amigas do Café da
Ciça, tão sessentonas quanto eu, salvo alguma pouco mais jovem e também a nossa
mascotinha que realmente está na casa dos vinte. O material colhido foi tão
vasto, tão rico e tão interessante que é impossível colocá-lo todo neste texto.
Penso que daria uma boa tese de sociologia, ou melhor, de antropologia.
Mas vamos aos detalhes sórdidos com
requintes de crueldade de nossos hábitos e nossa cultura da época. Temos que
considerar o fato de que muitos desses costumes estavam intrinsecamente ligados
ao lugar onde passamos nossa adolescência e juventude, ou seja, uma pacata
cidade do sul de Minas. Evidentemente que nas grandes cidades e capitais as
jovens eram um pouquinho mais soltas. Minha avó chamava as moças que não eram
do interior de “moças de praia” com um risinho sarcástico.
Naquela época de 60 e 70, as anáguas
e combinações ainda faziam parte de nosso vestuário. Para dizer a verdade, até
hoje ainda uso uma combinação com determinado vestido que é transparente. Uma
de nossas amigas lembrou bem que não era raro alguma anágua escorregar um
tiquinho abaixo do vestido ou saia, aí alguém avisava para a fulana que ela
estava vendendo farinha, expressão que nunca mais ouvi, e me deliciei, coisa
mineira, sei lá. A moça ajeitava aqui e ali e puxava a anágua para cima.
Usamos
toalhinhas higiênicas, na verdade, anti-higiênicas. Aí surgiu o famoso Modess,
um apetrecho que definitivamente inscreveu seu nome na história da higiene
feminina. Aqui em Itajubá, segundo uma participante da enquete sobre o passado,
o Modess só era vendido na loja da querida Julinha. Naquela época não havia
sacolas ou embalagens, tudo era acondicionado em papel de embrulho e principalmente
os pacotes de Modess. A Julinha já os embrulhava com antecedência, talvez para
não serem encarados de forma meio que indecente. Era chegar e pedir, lá vinha o
pacote prontinho embrulhado num papel de embrulho rosa com durex e tudo. Mas ai
da jovem, coitada da jovem que ousasse passar com este embrulho debaixo do
braço em plena praça. Todos os habitantes da cidade sabiam tratar-se do
absorvente e a moça era alvo de piadinhas maliciosas. O Modess foi para nós um
símbolo de liberdade e conforto, um adeus às detestáveis toalhinhas. Porém, em
comparação com as modernidades atuais, posso definir o Modess como um
verdadeiro canhão entre as pernas. As meninas de hoje ficariam hor-ro-ri-za-das.
Bem,
somos do tempo do conjuntinho de banlon, do vestido “tubinho”, mostrando as
pernas, dos perfumes “English Lavander”, “Heure Intime”, “Fleur de Rocaille”,
“Caleche”, “Almiscar selvagem”, “Muguet de bonheur”, “Lancaster” (para os
homens), “Rastro da Phebo”. Enrolamos os cabelos em bobs molhados na cerveja,
usamos laquê feito de pedra de breu, e suportamos uma esponja Bombril na cabeça
para compor um coque chique para festa. Ah, também já passamos os cabelos à
ferro quente para ficarem lisinhos.
Tomamos
o famoso Postafen ou Postavit para engordar. Quase toda moça era magra, pois
não havia requeijão nem chantilly, e depois usávamos o bambolê para afinar a
cintura. Dançamos o rock, twist e hully gully, e nosso sonho de sedução era
dançar de rosto colado ao som de Besame Mucho. Também tínhamos nossos momentos
de tristeza quando rejeitadas pelo cara que era o pão da época e para esses
momentos ouvíamos “Pobre menina” de Leno e Lílian.
Nossa
vida era simples, nosso Facebook era um caderno de perguntas passado de mão em
mão e esperávamos ávidas para ler as respostas das amigas e conhecidas, que nem
sempre ou quase nunca correspondiam à realidade: “você já beijou?” Sim, ainda
não, quase lá. “Quem foi seu grande amor?” É de matar de ternura a inocência
das meninas e jovens daquela época.
Enquanto
isso, Jota Silvestre brilhava em seu programa de auditório. Ele botava uma
pessoa dentro de uma cabine à prova de som. Lá fora ele perguntava: você deseja
trocar uma lambreta por uma lã preta? A pessoa só podia dizer sim ou não e aí
dizia: sim! Ao que a plateia delirava!
Que
mais gente? Ah tanta coisa, tinha a blusa cacharrel, a gola rolê, os sapatos Vulcabrás,
alpargatas Roda, o Denorex, um shampoo anticaspa, que “parece remédio, mas não
é”, o leite Paulista, o cobertor Paraíba, e os Redingotes, ah os redingotes,
aqueles vestidos adoráveis, inteiriços e justos no busto, com gola italiana,
abotoamento duplo, que podia ser usado como vestido ou como casaco, mais para
épocas frias.
Se
a moça do BBB fosse transportada para aquela época, certamente pensaria estar
em outro planeta. Mas não é sempre assim?Nossas avós também ficavam
horrorizadas com os costumes modernos daquele tempo. Mas uma coisa é certa:
quase toda moça era virgem e sonhava com a noite de núpcias. E mais: nenhuma moça tinha tatuagem em nenhum
lugar nem visto nenhuma a não ser no braço do Popeye. E isso era bom ou mal? Não
sei, depende, cada um no seu tempo. Nosso tempo foi o do Redingote!
Misa, bom dia. Adorei o seu texto e até o publiquei na minha página do face. A medida que ia lendo, via a minha vida retratada nas suas palavras. Obrigada de coração pois também sou do tempo do redingote. Sou de Itapecerica - MG e tenho 69 anos.
ResponderExcluirContinue escrevendo pois você tem muito talento.
Um abraço.