Ontem
disse umas coisas para uma amiga que eu não queria dizer, melhor dizendo, que
eu não deveria dizer. Normalmente, engulo as palavras, mas quando falo, o mundo
acaba. Aí é que percebo a força que as palavras têm. Quando não consigo
engolir, elas vêm atropeladamente, e palavras curam tanto quanto machucam.
Melhor se tivessem ficado quietas em seu mundo, e que a gente nunca tivesse a
oportunidade de dizer nada porque uma vez ditas são fatais. Se ... se ... se...
não tivessem sido ditas, a vida seguia do jeito que era, de manhã, de tarde, de
noite, sorrisos alegres, sorrisos amargos, terrores noturnos, algumas
esperanças e até sonhos. E quando eu entrego meu dia a Deus pela manhã, entrego
meus pensamentos, sentimentos e palavras. Contudo sei e aceito que o “justo cai
sete vezes ao dia”. Até os santos caíram muito. Não é verdade que sempre “não
fazemos o bem que queremos e fazemos o mal que não queremos”?
As
palavras têm vida. Adelia Prado diz que “quem entender a linguagem entende
Deus”. Olha a força das palavras! Tudo em nossa vida está ligado às palavras
que dão nomes às coisas e expressão aos nossos sentimentos. Então, foi triste
como uma despedida! Mas a vida é assim, feita de encontros, mas de muitas rupturas,
aliás, cada momento é uma ruptura com outros momentos. Dizem que o segredo da
vida é aceitação serena de tudo o que vem, afinal quem foi que nos garantiu que
tudo correria bem, que tudo acabaria bem? Só as mães falam isso quando percebem
o terror do filho que chora ao acordar de um pesadelo. Dizem elas: tudo vai
ficar bem. Mas no correr da vida, o filho vai perceber que nem sempre ou quase
nunca tudo fica bem. E impotente, ele prosseguirá porque não haverá outro
caminho a seguir, e se tiver sabedoria aprenderá que é melhor sofrer “bem” como
tudo na vida deve ser bem feito. O que é que tem sofrer? Soframos bem, ora pois.
Voltemos
às palavras. Elas são mágicas. Podem edificar, podem destruir, podem se
transformar em poemas delicadíssimos, podem romper relacionamentos, podem
transformar uma vida para sempre, para melhor ou para pior. Já disse isso. Podem
declarar guerras entre países e fazer retornar a paz. Estou dizendo mais do que o óbvio, nada de
novo. Mas eu queria inventar uma palavra que consertasse tudo, que abrisse as portas
emperradas, que curasse as dores do corpo e da alma. Aí me lembrei do abracadabra, a palavra
encantada que quando dita curava febres e inflamações. Etimologicamente, do
aramaico, abracadabra significaria “eu crio enquanto eu falo”, ou ainda “faço
desaparecer algo ruim com esta palavra”. Pronto. Já me sinto com uma varinha
mágica dizendo abracadabra e com as mãos cheias do pó de “pirlimpimpim”. Jogo o
pó e digo “abracadabra”, e desfaço o mal feito e crio o bem. Ah! como eu queria
o poder do abracadabra, como seria bom! Não é bem assim. Para acreditar nisso
eu teria que acionar o encantamento de menina e não é toda hora que sou capaz
dessa façanha. Às vezes a realidade é real demais da conta.
Não
sei, não sei. Como diria Rilke, “tenho tanto medo das palavras. Elas dizem tudo
com tamanha precisão.”
Bem,
existe outra palavra mágica, infalível, mas real, saindo do coração: Perdão. E
depois, bem, depois a gente deixa seguir o barco, soltando um pouco as amarras,
aliviando os fardos, abaixando as velas, deixando a correnteza nos levar ao seu
bel prazer. Pode até ser que este barco vá dar numa ilha encantada. Quem sabe.
Depois
disso, apenas um pouco de silêncio. Perdão. Tenho dito.