Escrevo, gosto de escrever, é claro,
mas nem sempre gosto do que escrevo. Às vezes vibro com uma crônica que acabou
de sair do forno quentinha ou com um conto que achei genial. E acontece que outras
vezes torço o nariz, acho medíocre, bobinho, tiro isso, ponho aquilo e não fico
satisfeita. Não sou agraciada como uma grande Adélia Prado, sei que a poesia
não é hóspede assídua em minha alma, só passa de quando em quando para uma
visita rápida, mas quando vem, mesmo furtiva, traz presentes tão preciosos que recebo
feliz, cheia de gratidão. E vou trabalhando de sol a sol, cultivando histórias,
sonhos e colhendo os frutos, os fatos, os feitos, e tentando transpor tudo isso
para o papel, ou para a tela em branco que me olha interrogativa como neste
momento.
Já foi o tempo em que eu ia atrás de
meu marido e de minha irmã, com uma crônica pronta para que lessem. Era imperioso
ouvir sua opinião ou qualquer opinião que fosse, e aí o que vocês acharam? Bem,
não foi uma nem duas vezes que percebi que o marido já tinha perdido o fio da
meada da minha leitura em voz alta fazia tempo, sabe-se lá por quais paragens
sua mente vagava, e minha irmã, depois de dias em que eu esperava ansiosa por
seu parecer, era assim: como sempre, gostei! Meio que sem muito entusiasmo.
Larguei mão disso. Sem mágoa nenhuma, assumi que não precisava fazer pressão em
cima de minhas duas cobaias literárias, os dois, coitados. É assim mesmo, santo
de casa não faz milagres e o profeta não é bem recebido em sua própria terra.
Minha prima escreveu uma brilhante tese de doutorado que fez tremer os
baluartes da enfermagem no Brasil e, no entanto, me segredou que nenhum de seus
irmãos leu seu trabalho. É assim mesmo. Agora escrevo e pronto.
Aconteceu que fiz uma crônica sobre
mulheres para não deixar passar em branco o Dia Internacional da Mulher, e pedi
para a filha de uma amiga nossa do grupo postar para todas em nosso whatsapp
antes que fosse para o Face ou para o Blog. E minha irmã, distraída da vida, leu
encantada, pensando, nossa que lindo! De quem será esta crônica? De onde a
Giovanna tirou? E foi se encantando, cada vez mais, já pensando em me enviar
porque realmente a crônica estava muito boa, palavras dela, genial, isso, a
palavra era genial. Até que chegou a certo parágrafo que falava da mãe da
autora, e minha irmã foi reconhecendo nossa mãe, e pensou, só pode ser ela, mas
como? Então é da Misa esta crônica? E foi até o final quando tudo se confirmou.
Rimos pra valer. Talvez se eu tivesse enviado antes, ela diria: está bom, como
sempre! Não sabemos, mas achei ótimo ter ficado anônima! Minha irmã encantou-se
com a crônica sem saber que era minha! Como uma estranha escritora fantasma,
consegui encantar seu coração!
Adorei! Nada como um depoimento
genuíno desprovido de quaisquer laços afetivos influências ou obrigações. E
enquanto a poesia se faz de rogada às minhas súplicas, continuo trabalhando de
sol a sol. Vou às fontes, consulto os mestres, leio poemas que me inspiram a fazer
prosa, como Carlos Drummond de Andrade que me diz hoje para “comer queijo com
goiabada, ouvir uma serenata, calçar um velho chinelo, sentar numa velha
poltrona e tomar um vinho branco enquanto ouço o Bolero de Ravel.” Acho que
hoje estou triste, mas deixo o mundo acontecer. É preciso escrever.
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