Esta
frase é do filme “Her” de que gostei muito. Ao mesmo tempo em que apresenta um
cenário futurista do que pode se tornar a vida humana, a história é de um
lirismo de matar!
Bem,
mas não é do filme que quero falar, é da história de cada um que já tem um
passado distante, uma infância, enfim, de quem já deixou uma grande parte da
vida para trás. É verdade que um jovem pode sentir saudades de seu passado, de
sua infância, contudo o impacto das lembranças de quem já viveu muitas décadas
é muito mais forte. Graciliano Ramos dizia que “precocidade em literatura é
impossível”. Então, fazendo uma analogia, falo da saudade ou de lembranças como
algo assim em que a precocidade também não é possível, pois é preciso ter já
ter vivido anos sem fim para se lembrar com saudades de fatos que nos marcaram.
Faz parte da nossa natureza humana valorizarmos bem tarde o que bem cedo tivemos.
Os
idosos são criticados porque sempre voltam a falar de sua época, do que os fez
felizes, e ao fim de tudo, a história só interessa a eles mesmos, a quem conta.
Só quem viveu é que vai se emocionar sempre e sempre com os detalhes que
permanecem vivos em sua memória. Vou me lembrar de não ficar falando de minhas
lembranças com ninguém, prometo. Apenas para a tela em branco do meu
computador.
Além
do filme “Her” que trouxe esta frase que usei como título deste texto, ainda aconteceu
algo que me moveu a escrever: estava assistindo pela TV à operação na
Cracolândia, coisa mais triste! Não sei dizer se a vida hoje em dia é melhor ou
pior do que antigamente, cada coisa no seu tempo. Mas no passado não havia
aquele horror de tráfico de drogas, de pessoas, jovens, meninas grávidas
vivendo em pardieiros apenas com um único desejo que lhes restou na vida, um
desejo imperioso e incontrolável de se drogar. Inevitável foi a comparação de
São Paulo da Cracolândia de hoje com o que era no passado. Uma lembrança traz
outra.
Pois bem, lembrei-me de quando minha mãe e meu
pai nos levaram a São Paulo, eu e minha irmã. Éramos meninas, 8 e 10 anos.
Ficamos hospedados no apartamento do tio Finfa, irmão de meu pai. Era um
apartamento pequenininho, dormimos na sala, lembro-me direitinho. Tia Dita arrumando
nossa roupa de cama, tudo com muito carinho. Tio Finfa nos levando para
caminhar pelo centro de São Paulo, viaduto do Chá e outros lugares. Era uma
manhã de frio e muito vento e o bonezinho xadrez do tio Finfa não aguentou e
fugiu de sua cabeça, ganhando os ares. Ele e o papai saíram correndo para
alcançar o boné e nós ficamos com minha mãe à espera do resgate. Meu tio Finfa
corria veloz, era muito alto e magro e tinha umas pernas compridas a perder de
vista. Cada vez que se aproximava, o boné saltava mais para frente e esta
operação se repetiu algumas vezes. Ele e meu pai riam muito e as pessoas na rua
tentavam ajudá-los na caça ao boné. Nós, de longe, ficamos torcendo para que
ele alcançasse o bonezinho. Até que enfim!
Foi
apenas uma lembrança do passado, de um universo, de uma vida tão longínqua que eu
poderia até duvidar de que se tratasse de minha própria vida. Foi apenas a
lembrança de uma história que veio à tona e que eu conto para mim mesma porque
teve um significado só para mim, talvez para minha irmã, da mesma forma que
outros também são acometidos por lembranças que são significativas só para eles.
Meus pais, tão jovens ainda, meu tio Finfa sósia de Carlos Drummond de Andrade
e um bonezinho que saiu voando de meu passado e que veio ao meu encontro agora,
pousando em meu coração depois de tantos anos, me matando de ternura. Acho que
fiquei idosa!