Há muitos anos tive uma moça que temporariamente
me ajudou com a limpeza da casa. Ficou pouco tempo, talvez tivesse vindo para
cobrir folgas de outra diarista fixa, sei lá, já nem me lembro, pois como
disse, foi há muitos anos. Enfim, era uma moça alegre, nunca chegou sem um
sorriso no rosto. Logo, saía a fazer as tarefas domésticas sempre cantando. Eu
achava graça, e ficava no meu canto fazendo alguma coisa, talvez escrevendo,
mas naquela época acho que nem escrevia ainda.
Certo dia, ela se atrasou e eu
fiquei meio irritada porque havia muitas tarefas a serem feitas. Eis que a moça
chegou, sempre com seu sorriso aberto no rosto e logo tratou de trabalhar
cantando feliz. Eu, que nunca tive boca para chamar atenção de nenhuma
ajudante, nada perguntei nem repreendi. Nunca fui de gostar de tarefas
domésticas e refleti: ela faz isto para ganhar a vida e ainda trabalha em sua
própria casa. Mas canta. Lembrei-me daquele poema da Adélia Prado em que ela
diz: “Minha mãe cozinhava exatamente: arroz, feijão-roxinho e molho de batatinhas.
Mas cantava”.
Bem,
fui puxar prosa com ela e perguntei se sempre cantava assim o tempo todo. Ela
riu mais ainda e disse que achava que sim, principalmente enquanto trabalhava.
Conversamos um pouco sobre preocupações, ansiedade e eu confessei que eu era
muito ansiosa com as coisas que tinha pra fazer, querendo varrer a casa duas
vezes hoje para ficar livre amanhã, e sempre com os olhos postos no relógio. E
aí ela me disse: “Meu tempo é do Senhor. Não fico ansiosa, aliás, se fosse
ficar ansiosa pelas tantas ocupações que tenho já tinha enfartado. Pela manhã eu
entrego meu tempo a Deus e saio cantando”. Entendi. Pobre de mim que sempre fui
Marta, nunca Maria, mas queria. Serviu para eu me lembrar de oferecer meu tempo
ao Senhor e cantar. Às vezes eu me esqueço e as preocupações me assaltam. Aí eu
canto e juro que as tarefas ficam mais leves.
O
Senhor já sabia desde sempre que quem canta seus males espanta. E quem dança
também! Amém!
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