domingo, 27 de agosto de 2017

O FILHO PRÓDIGO




            Não é de hoje que a história do “filho pródigo” me intriga. Há anos quando minha mãe ainda era viva, veio um tio querido nos visitar e não me esqueço da conversa sobre o tema em questão que tivemos à mesa. Eu então disse para ele:
- Esta história nunca me convenceu. Não pode estar certo que um filho fique ao lado dos pais batalhando a vida inteira, dando duro, cuidando, e outro simplesmente passeia pelo mundo, torrando a grana. E aí quando já nada mais tem, o cara volta, e o pai faz a maior festa, mata bezerro e tudo. Não. Não está certo. Meu tio também concordou e rimos muito de nossa transgressão aos ditames religiosos e às histórias bíblicas. Fazíamos mais por brincadeira, levianamente, diga-se de passagem.
E não é que anos depois esta história me aparece como uma das mais lindas histórias que já li, ouvi e comprovei. Aquele ou aquilo que perdemos sempre será muito mais precioso quando reencontrado do que quando o tínhamos à mão, diante de nossos olhos e nosso coração. Lembro-me de um anel que perdi. Eu julgava que o havia perdido em casa e o procurei em vão por todos os cantos. Era uma joia presenteada pela tia mais bondosa e de vez em quando, depois de tantos anos, ainda sonho com este anel. Não tive a sorte e a alegria “da mulher que, encontrando a dracma perdida, a recoloca nos seus cofres, em meio à alegria da vizinhança”. (Lc 15,8) Como pergunta Santo Agostinho: “por que a alma sente mais alegria ao encontrar ou reaver os objetos que estima, do que se os tivesse possuído sempre?” Por que só valorizamos quando os perdemos?
Mas não vamos falar de coisas, mas de pessoas. De filhos perdidos para as drogas, de filhos rebeldes que sempre nos contestam, de filhos que literalmente exigem parte da herança e se vão. A história mostra. Outro dia uma amiga me contou sobre conhecidos em que uma filha foi para longe e passou muitos anos sem voltar. Estando a mãe doente, quis ver a filha a todo o custo. E ela quando soube, veio. A família toda fez a maior festa que aquela casa já tinha ouvido falar. Vivemos as histórias bíblicas a cada dia e não nos damos conta.
Vale lembrar que o filho pródigo não voltou para extorquir mais ainda o pai que o amava. Não. Voltou reconhecido e humilde para pedir perdão e na condição de empregado. A volta do filho pródigo é uma linda história de amor e perdão. É um simbólico profundo de nossa própria história enquanto cá estamos nesta vida. Recebemos uma rica herança, dons e talentos que não só não multiplicamos, às vezes até os enterramos. E durante toda nossa caminhada nos damos todos ao mundo, seduzidos e escravos das piores paixões, consumidos pelas preocupações ou confortáveis nos prazeres, contudo sempre distantes e esquecidos de Deus. Não esperemos para voltar à casa do pai no último instante, ainda que Ele esteja lá nos esperando com seu perdão para todo o sempre.     
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sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A GENTE COMO A GENTE É



            Há pouco tempo recebemos a visita da neta de meu marido, uma moça encantadora. De uma beleza estonteante, não há nada nela que não seja bonito. O rosto lindo, os cabelos longos, o corpo harmonioso, enfim, de uma beleza absolutamente perfeita. Aí eu confabulo com minha irmã: como a juventude é bela! E ela não é bonita apenas fisicamente, não, é muito mais do que isso. É uma pessoa despojada, sem vaidades nem gestos ensaiados, nem preocupações com sua imagem, é modesta, simples assim. Ela realmente é uma pessoa adoravelmente do jeito que eu queria ter sido em sua idade e ainda queria ser. Não falo da beleza física, já sou uma respeitável senhora, mas falo do seu jeito de ser. Delicada, calada, falando pouco, ouvindo muito, sorrindo, calma, serena, uma graça.
            Mas não sou assim, não fui assim. Sempre fui estabanada, sempre falei muito, além da conta. Sou daquelas que se estiver no elevador subindo meus dez andares, neste curto espaço de tempo sou capaz de contar uma história de fazer rir ou chorar. Isso deve significar que não sou tímida, embora eu sempre acreditasse que sim. Eu achava que eu apenas fingia não ser tímida. Tímida o quê? Sou nada! É só dar corda, às vezes nem precisa. Eu já vou falando nem que seja “será que chove?”, “quente né gente?”.
            Ainda ouço a voz de minha mãe pedindo para eu falar menos e mais baixo, ainda ouço as reprimendas das professoras. Ainda me vejo gritando nas brincadeiras de rua. É lógico que também a adolescência dos anos 60 matou muito de minha espontaneidade. Bateu aquele sentimento de inferioridade, de ser ridícula, de jamais dançar porque ouvi que não dançava no ritmo e outras milhares de coisas que vão podando a gente, matando a alma e tirando o sorriso da cara. Mas depois dos 40 recuperei peseta por peseta tudo o que me foi roubado, todos os campos devastados pelos gafanhotos. Acordei de sonos milenares tipo assim Bela Adormecida querendo tirar o atraso do sorriso assassinado e da fala aprisionada. Melancólica eu? Nem chorando!
            Não adianta querer ter sido ou ser como a Sarinha. Não é assim que funciona. Não fui assim, não sou assim. Nasci ansiosa pela vida, não tenho calma nem paciência pra ser serena. Sou uma pessoa alegre, mas também fico triste. Convenhamos: ótimo, ótimo, ninguém está. Duvido. Tem sempre um danado de um espinho na carne da gente. Um dia está tudo maravilhoso, outro, nem tanto, e outro, péssimo. É impressionante como a vida vai de boa pra ruim e vice-versa. Mas minha natureza é alegre mesmo nas tristezas. Tenho que falar, não posso me calar nem fingir ser o que não sou. O bonito da vida é que somos todos diferentes, ú n i c o s, isso ninguém pode negar. Cada um vem com uma forma e uma dádiva. Cumpre viver bem. A gente tem que ser como a gente é da melhor maneira possível.