quinta-feira, 14 de setembro de 2017

MENTIRINHA CARIOCA



            Todo mundo já mentiu, ou mente ou mentirá. Duvi-de-o-dó que não. Não falo de mentiras pérfidas ditas por línguas malévolas com o intuito de prejudicar alguém, mas de uma “mentirinha carioca”. Achei ótima esta expressão que ouvi de uma conhecida que aprendeu de seu tio, querendo dizer que seria uma mentirinha descontraída, bobinha, que não faria mal a ninguém, mentirinha de amor, uma santa mentira. Existe sim. Então eu não me lembro de minha mãe querendo consolar Dona Ana que estava doente e sentia muito medo de morrer? Ela chorava e dizia que quando chega a hora a gente tem que aceitar. Minha mãe disse: ora gente, isso não quer dizer que a senhora vai morrer, está apenas doente, ainda vai sarar. E eu, ainda bem criança, sem saber que a morte existia, soube captar nos dizeres e tons da mãe que eu bem conhecia, um quê de certa santa mentira. Dona Ana estava mal.
            E muito tempo depois, quando eu já era uma jovem de 20 anos, passeando na casa de parentes, acatei com a maior naturalidade o pedido de minha prima que ia fazer uma visitinha lá na vizinha: Misa, se até às 8horas eu não voltar, chega no muro e me chama, diz que é telefone pra mim, tá? Tá. E a gente faz da mentira uma prática diária. Ela fazia isso para não magoar a vizinha que gostava de um papo, e eu para não magoar a prima que era ocupada e precisava voltar logo para casa. Enfim, de fato a “mentirinha carioca” está presente em nossa vida.
Com as mentiras aprendemos que podemos nos sair bem sem magoar ninguém. Mentimos por amor, por medo, por ansiedade, por covardia, por vaidade. Estávamos eu e uma conhecida numa loja experimentando roupas. Provávamos várias peças e nos olhávamos num grande espelho. De repente ela saiu do provador com uma roupa totalmente inadequada. E me perguntou: está bom em mim? E eu tentando me proteger, fugia pela tangente: nossa, que roupa linda! E ela: mas está bom em mim? Diga sinceramente. Acuada daquela maneira, não tive saída. Ninguém deveria fazer isso com ninguém. A mentirinha carioca não ia rolar e nem colar. Então eu disse: Não está bonito, mas não está feio, acho que outro tipo de roupa cairia melhor em você. Ela entrou no provador e demorou muito pra sair. Às vezes a verdade é dura. Eu voltei para casa sentindo-me péssima.
Há quem saiba ser verdadeiro sem nenhum conflito. Eu não. Conheço pessoas francas, que dizem o que sentem sem o menor pejo. Porém o limite entre ser franco e mal educado é muito tênue. Talvez o meio termo exista. A gente pode começar com coisas mais simples. Se no Facebook você gosta de determinada postagem, curta. Se você ama, ponha lá o coraçãozinho, se acha engraçado, ponha a carinha rindo, mas se não gostar, não ponha nada. Não diga, “linda” quando achar que não é linda. E não se esqueça de que você sempre vai desapontar alguém por mais esforços que empreenda para que isso não aconteça. 
Ser verdadeiro é difícil, mas é ser fiel. A verdade é transparente, clara, única. A coerência nunca vai existir na mentira. O mundo nos encoraja a mentir, porém mentir é perigoso. Uma mentira puxa a outra, e em determinada curva da estrada já não sabemos fazer o caminho de volta. Ainda que seja uma mentirinha carioca, mentira é mentira. Santo Agostinho dizia que quem não é fiel nas pequenas coisas também não será nas grandes. A verdade, mesmo dita de maneira suave pode machucar, contudo não resta a mínima dúvida de que é a verdade que sempre nos libertará.



           
           
           

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