sábado, 30 de dezembro de 2017

PARA O ANO NOVO



 
 Neste novo ano vou ser mais comedida
Vou mudar minha vida
Vou falar menos, ouvir mais,
Fugir das coisas sempre iguais.
Vou estudar filosofia
Ou quem sabe etimologia
Também fazer um curso de corte e costura
Ou de poesia
Conhecer o Everest
Ou mudar pra Budapest
Na verdade
Queria mesmo vez ou outra ouvir o barulho do mar.
Só não quero perder o encanto
Nem o espanto
De que preciso tanto
Pra sonhar e deixar a vida rolar.



sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

"LUCY IN THE SKY WITH DIAMONDS"



Mais um ano que se vai, mais um novo ano que vem. É claro que ao amanhecer do primeiro dia do novo ano, tirando a ressaca da noite de champanhes e comidas apetitosas seremos os mesmos, apenas um pouco mais velhos. Quando muito, trarei a lista de metas, projetos e desejos na primeira gaveta da mesinha do computador. E como o tempo agora passa aceleradamente por não sei qual fenômeno de aceleração planetária que já me disseram, lá para maio ou junho certamente constatarei que as metas e projetos não saíram do papel, tampouco os desejos terão sido realizados.
Não vou prometer nada não, contudo, sem querer ser assim tão pessimista, alguns desejos podem sim muito bem serem realizados, talvez, quem sabe, tomara. Afinal, a vida é sempre surpreendente. Não vamos murmurar. Tá ruim, mas tá bom, como diz meu marido.
Sobre os desejos, também não quero nem devo sair por aí dando a conhecer os anseios do meu coração. Sou um livro quase aberto, normalmente falo tudo em minhas crônicas, bem, quase tudo, parodiando Danuza Leão. Como a vida vai aos poucos se transformando numa estrada estranha e estreita, meu desejo para o ano, se fosse possível, seria embarcar numa nave espetacular ou como diria Raul Seixas, num disco voador para onde ele for e enxergar bem de longe meus problemas como meros pontinhos bobinhos no meio deste universo fenomenal. Problema é o sofrimento dos milhares de refugiados que este ano migraram como puderam fugindo da guerra, do preconceito e da maldita intolerância. E o sofrimento das crianças? Fala sério!
Voltando ao tal disco voador, eu chegaria a um planeta misterioso e fascinante onde obviamente eu poderia viver feliz como sempre quis, tal qual em Pasárgada. Já pensou? O rei em pessoa vem me receber, e me garante que ali eu serei cem por cento feliz. Ali minha vida será uma grande aventura, nada de coisas banais, só geniais.
Diz ainda o rei, meu amigo, que poderei andar de bicicleta, mas confesso envergonhada que não sei mais como se anda nessa geringonça de duas rodas. Já nem me lembro. Mas ele me rebate dizendo que aqui o tempo volta até quando a gente quiser, portanto saberei pedalar como quando era criança. Sendo assim topo subir até no pau-de-sebo, já perdi o medo de qualquer coisa. Menos de uma: montar em burro brabo! Isso não! Mas tomarei banhos de mar! Ah que delícia! Brincarei de espirrar água para o céu e as gotinhas se transformarão em diamantes e eu me sentirei como “Lucy in the sky with diamonds”.
Nunca mais serei triste. Quando de noite me der vontade de chorar, o rei em pessoa virá me alegrar. E trará flores de cores primores que nunca vi antes. E me contará casos tão engraçados, que me farão rir tanto, tanto, desses risos de criança que não param nunca, que fazem a gente chorar de tanto rir.
Falando sério, o que eu mais desejo para o novo ano? Viver uma vida em cada dia, embebedar-me de fantasia, viajar no tempo, deletar os sonhos maus, descobrir quem sou, ser feliz custe o que custar, amar, amar e amar em Pasárgada ou qualquer outro lugar, dentro ou fora de mim, onde sempre haverá risos mil mesmo no meio das tristezas, dificuldades, lágrimas e ainda que seja alguma pálida alegria que a vida nos presenteia em kits de sabedoria!  “Que venga el Año Nuevo con mucha inspiracion”!


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

A HORA BENFAZEJA DA TARDE (Feliz aniversário!)



A HORA BENFAZEJA DA TARDE

            Gosto quando entro em casa pela tardinha e não pretendo mais sair. Respiro profundamente aliviada ao fechar a porta. Ao contrário de “Ana”, a personagem de Clarice Lispector no conto “Amor”, não temo a hora perigosa da tarde. Talvez porque eu já esteja mais velha e minha mãe dizia que com a maturidade as questões vão se resolvendo naturalmente. Talvez porque eu goste mais desta hora quando o dia ameaça ir embora para dar lugar à noite e eu sinceramente sou mais da penumbra, das sombras, das cores do crepúsculo e dos sussurros da noite. Ou talvez simplesmente porque “Deus me deu um amor no tempo da madureza ... pois que tenho um amor.”, como dizia Carlos Drummond.
            E o que é um amor? É alguém que veio ao meu encontro ou eu que fui ao seu encalço ou vice-versa e passamos a caminhar lado a lado. Não somos almas gêmeas, muito pelo contrário, somos almas infinitamente diferentes. Com ele aprendi a amar as diferenças. Eu padeço de TOC, ele de TOQUES de carinho, de amor, de magia, de abraços, de amassos e enlaços. Eu não sei cozinhar, ele é meu CHEF, não CHEFE, e sim aquele alquimista que transforma os alimentos em comidas maravilhosas.
            O que é um amor? Aquele cara que está em casa e quando eu chego eu digo: Beemm, cheguei. E eu sei que ele está lá em cima e que vai me acenar da escada. E se ele não faz isso eu subo e percebo que a casa é nada sem a sua presença. Aquele cara que quando eu me queixo de dor de cabeça, ele finge que vai tirar a dor, apertando um ponto no meio da minha testa e outro na coluna porque (ele me explica) ambos convergem para o meridiano tântrico que faz expandir a força em direção ascendente até o 7º Chakra, localizado no topo da cabeça.
            O que é um amor? Para mim é aquilo que chega pra gente “sempre mais do que vem nos milagres”. Agora consigo entender melhor este verso de Cecília Meireles.
            Contudo, só tive mesmo a certeza de que era de fato o amor de minha vida quando há muito saboreamos um café com pão assistindo ao por do sol em certa hora benfazeja da tarde. Senti uma felicidade que pulsava tão forte no meu peito que pensei que estava morrendo do coração. Nunca a vida me pareceu tão simples, tão certa, tão plena, tão perfeita! Fechei os olhos para reter aquele momento mágico e guardar no recanto mais secreto de minha alma. Era o meu amor que entrou em minha vida, ousado e gentil, alimentando minha devastada carência, minha alma e corpo sequiosos de amor. Só me lembro que tive uma imensa vontade de chorar de ternura. Entendi que isso devia ser o que dizem ser o tal do amor.   
            E quando chega certa hora benfazeja da tarde, eu me quedo, encantada, e assisto aos últimos raios do sol que se põe e ao milagre do dia que se torna noite sem que a gente nunca perceba e me sinto despudoradamente feliz, pois que tenho um amor.

 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

"SIM, NÓS PODEMOS"



            Fim de ano se aproximando, agitação no ar. Não há como não me deixar afetar pelo clima das festas. Como tudo em mim é permanentemente contraditório desde o raiar do dia até o anoitecer, faça chuva, faça sol, sinto uma alegria mesclada com tristeza. Lembranças me assaltam, notícias me assustam e projetos pipocam assando meu cérebro. Já estou acostumada com meu ritmo de oito ou oitenta, então não esquento nem me apoquento. A vida há de seguir como quiser fazendo ouvidos moucos aos nossos queixumes ou expectativas. Não dobrar a cerviz à adversidade é o lema para este final de ano ou início do próximo. Uma coisa é certa, tudo é possível, a vida sempre vai nos surpreender. Contudo quase tudo depende de nossa férrea vontade de construir de novo, pedra sobre pedra. A vida exige uma parceria.
            É preciso ter em mente que nada cai do céu, tudo neste mundo ou nesta vida tem que ser construído. O sucesso dependerá do tamanho do desejo que acalentamos no coração. Por um acaso ou talvez não tenha sido tanto assim por um acaso, li dois fatos que têm tudo a ver com o que quero dizer. Rubem Alves contava em uma crônica que se mudou para uma casa bem ao lado de um terreno baldio, seco, onde nada crescia. Sempre que saía à janela dava com aquele triste pedaço de terra devastado. Então ele decidiu fazer daquele terreno um jardim. Trabalhou arduamente para transformar o solo, arrancou as pedras, ralou os joelhos trabalhando a terra, sujou as mãos, derramou suor. Depois de um tempo, nasciam os primeiros brotos, as primeiras flores, a grama verde. Até que finalmente ele teve o prazer de contemplar um maravilhoso jardim.
            Também li, embora já soubesse disso, que o Central Park em Manhattan é um parque totalmente artificial. Quem já foi lá, ou viu em filmes achará inacreditável que toda aquela exuberância da natureza tenha sido criada pelo homem a partir de pântanos e pedras. Os lagos, cascatas e árvores frondosas nem sempre estiveram lá. Tudo foi projetado arquitetonicamente combinando uma firme vontade e um fervoroso desejo de se ter um parque cheio de beleza. Onde houver um homem e um desejo certamente algo será criado.
            Assim também podemos e devemos construir jardins frondosos onde pensávamos não ser mais possível que alguma coisa florescesse dentro de nós. Pelas perdas, pelo cansaço da vida, pelas palavras duras que nos impingiram ou talvez pelo perdão que não nos concederam, podemos ter perdido a fé em nós mesmos. Urge trabalhar o solo machucado pelas pedras. Quando intempéries sobrevierem e tudo parecer um caos devastador, vamos nos lembrar de que dentro de nós sempre existe um jardim com águas cristalinas e flores raras esperando ser cultivado. Mãos à obra! Nossa vida é um eterno reconstruir e “os que constroem de novo são alegres” (W.B.Yeats).
Sem querer parodiar Obama, mas parodiando, “sim, nós podemos.”   
                          

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O MELHOR DA FESTA




            Houve um tempo quando crianças em que éramos presenteados com algo inesquecível: a famosa cesta de natal. Não era como essas cestas modernas. Havia algo mágico nelas, ou será que a magia é que morava em nós?
Logo que dezembro despontava, já esperávamos, ansiosos, a cesta que meu pai encomendava. E quando chegava era o início da festa. Olhávamos para ela, ainda fechada aos nossos olhos ávidos pelos tesouros que continha. A cesta de vime, à semelhança de uma arca de joias raras tinha em seu interior celofane colorido e numerosas tiras de palhinhas enrodilhadas que guardavam guloseimas. Não me lembro agora da marca da cesta, talvez “Amaral” ou “Columbus”. O que mais me aguça a memória são as palhinhas que escondiam os tesouros contidos. E a cesta ficava lá na sala de nossa casa da infância, encostada em um canto da parede esperando ser aberta na véspera do Natal. A espera do Natal era dolorosa, porém deliciosa, pois de fato o melhor da festa é esperar por ela. Em vão grudávamos os olhos pelas frestas da cesta, tentando vislumbrar o que havia dentro.
            Enfim chegava a noite do dia 24. Após angustiante espera meu pai abria  solenemente a cesta e nós arregalávamos os olhos diante do tesouro finalmente exposto: nozes, chocolates, patês, doces, compotas, caixas de bolachas recheadas, latas de doces, vinhos. O mais empolgante era descobrir uma noz retardatária e escondida ou mais uma latinha esquecida pelo entrelaçado da palhinha. Cada um de nós se apressava a encaixar uma noz no vão da porta para que fosse quebrada. Logo surgia o “croque” de várias nozes sendo esmagadas. O gosto nem era assim tão espetacular, mas o ruído e o ritual de quebrar a noz com aquele som característico ficou indelevelmente gravado em nossa memória. Como abelhas zumbindo em volta da colmeia disputávamos um lugar para ver meu pai e minha mãe retirando as guloseimas da cesta.
            Aprendemos desde sempre que o Natal não é ou não deveria ser nada material. Mas éramos crianças sequiosas por novidades, já seduzidas pela cobiça dos olhos, inclinadas a ter mais do que ser. Assim, por mais que o menino Jesus dormisse todo arrumadinho lá no bercinho do presépio, nos fazendo lembrar de seu nascimento, nossos olhos encantados voltavam-se para a bendita cesta agora escancarada, com palhinhas espalhadas por toda a sala. Os presentes seriam abertos no dia seguinte, mas não tinham tanto encanto porque já havíamos feito nossos modestos pedidos (minha mãe nunca deixou que pedíssemos nada que não pudessem comprar) e, portanto, já sabíamos o que estava por dentro dos embrulhos.
Mas a cesta com seus celofanes coloridos e palhinhas mágicas, ah, ela nos fascinava e nos desafiava com seus mistérios a serem descobertos. E como diria Mia Couto: “mas não é assim mesmo a festa: feita de ilusão e brilhos maiores que as substâncias?” Se os produtos da cesta viessem numa mera caixa de papelão, eu não me lembraria de nenhum detalhe daquelas animadas noites natalinas. A cesta de vime e as palhinhas eram as estrelas mágicas da festa, afinal eram elas que mexiam com nosso imaginário, escondendo as nozes e doces e nos fazendo esperar por eles.
            E quem sabe esperar conhece o segredo da felicidade!